A capacitação continuada como ferramenta no enfrentamento à vitimização policial
A Academia de Polícia Integrada “Coronel Santiago”, do Estado de Roraima, procurou transmitir aos profissionais de segurança conceitos relacionados à sobrevivência policial, contextualizando-os com as condutas e técnicas adequadas para o uso de arma de fogo na forma “velada”
Francisco Xavier Medeiros de Castro
Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Mestre em Ciências Policiais da Segurança e da Ordem Pública (Sistema Militar - CAES/SP). Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (PMBA). Ex-Comandante-Geral da Polícia Militar de Roraima
A busca de alternativas institucionais para a diminuição de morte de policiais, estejam estes em serviço ou de folga, continua a ser um tabu ainda não superado em muitas corporações, haja vista que o investimento em treinamento orientado para a sobrevivência policial ainda ocorre de forma extremamente superficial.
Entre os anos de 2011 e 2023, a estatística apresentada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que 4.010 policiais foram assassinados no Brasil nesse período.

Quadro 1 – Número de policiais assassinados no Brasil (2011-2023)
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2012-2023)
A tragédia se torna mais complexa face à indicação de que aproximadamente dois terços dessas mortes ocorreram quando os policiais se encontravam fora do serviço. Esses dados não deixam dúvidas sobre o processo natural de vitimização que recai sobre os profissionais de segurança pública brasileiros, seja pela simples razão de pertencerem a instituições que têm como foco o enfrentamento ao crime ou por adotarem a opção de “desligar” o estado de alerta ao encerrarem seus turnos de serviço.
À vista da macabra estatística, a Lei nº 13.675/2018, que instituiu a Política Nacional de Segurança Pública, apresenta como um dos princípios dessa política o combo da proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública, além de prever como uma de suas diretrizes a “ênfase na formação e na capacitação continuada e qualificada dos profissionais de segurança pública, em consonância com a matriz curricular nacional”. Como instrumento de operacionalização dessa política, o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2021-2030) traz como meta de número 6 a desafiadora “redução do número absoluto de vitimização de profissionais de segurança pública em 30% até 2030”.
Instigada com a ausência de pragmatismo das matrizes curriculares de alguns cursos de formação e capacitação no que diz respeito ao condicionamento do policial para reagir a uma injusta agressão quando esteja desprovido de um apoio imediato, a Academia de Polícia Integrada “Coronel Santiago”, no Estado de Roraima, idealizou, sob a coordenação deste autor, uma capacitação cujo objetivo é transmitir aos profissionais de segurança conceitos relacionados à sobrevivência policial, contextualizando-os com as condutas e técnicas adequadas para o uso de arma de fogo na forma “velada”. Assim, nasceu o Curso de Conduta de Sobrevivência Policial e Autoproteção Policial – COSAP, tendo por público-alvo os profissionais de todas as instituições do sistema de segurança pública do Estado de Roraima.
Entre os anos de 2019 e 2024, o curso capacitou 633 profissionais dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército Brasileiro, Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Penal, Corpo de Bombeiros Militar, Guardas Civis Municipais.
Na matriz curricular dessa nova capacitação, além do objetivo principal de qualificar as condições de sobrevivência do profissional de segurança pública diante de eventos críticos, constam como objetivos específicos: possibilitar ao policial reconhecer/identificar as situações de risco com a maior brevidade possível; proporcionar o aprendizado teórico acerca dos estados de alerta; incutir o aprendizado de procedimentos táticos individuais de autoproteção; estimular o condicionamento psicológico necessário para que o policial potencialize suas opções de sobrevivência em situações que envolvam risco pessoal; possibilitar que o policial, ao reagir, realize o melhor procedimento para o resguardo de sua vida e de terceiros.
A metodologia do curso se consolidou a partir do amálgama de técnicas e publicações relacionadas às ciências policiais, ao tiro policial e ao uso legal e seletivo da força. Assim, sobressaem-se técnicas advindas de disciplinas e métodos como Uso Diferenciado/Seletivo da Força, Uso Legal da Arma de Fogo, Direitos Humanos, Tiro Defensivo “Método Giraldi”, Gerenciamento de Crises, Técnicas de Porte Velado, Fundamentos do tiro aplicados à sobrevivência, Ação e Reação “Stress Fire”, Defesa Residencial (home defense) e Sobrevivência Policial.
As técnicas de autoproteção apresentadas pelo COSAP contemplam estudos de caso e dinâmicas aplicadas a momentos comuns da rotina de qualquer cidadão: entrar e sair de casa, estando sozinho ou acompanhado com a família, transitar a pé, em transporte público, de moto ou de carro, parar no semáforo, fazer compras no supermercado, sacar dinheiro em terminais de autoatendimentos, fazer refeições com a família no restaurante, frequentar ambientes com grande aglomeração de pessoas, entre outros.
As instruções são ministradas em etapas evolutivas de construção de conhecimento teórico e experimentação prática com os discentes, distribuídas em níveis de dificuldades e de aprimoramento técnico.
Como forma de promover o feedback para as adequações técnicas necessárias às edições subsequentes, foi elaborado o questionário constituído por dez questões objetivas e uma questão subjetiva, que foi respondido por 250 profissionais de segurança pública que participaram da referida capacitação, entre os anos de 2019 e 2023.
Pelas respostas dos quesitos objetivos (Quadro 2), a maioria dos respondentes confirma a aplicabilidade prática do conhecimento e das técnicas do COSAP em suas rotinas, permitindo-se constatar a mudança de percepção sobre a conduta de autoproteção desses agentes.

Fonte: Autor (2024)
O quesito discursivo permitiu que os profissionais de segurança pública registrassem comentários, sugestões ou críticas, o que subsidiou bastante as principais atualizações e adequações da matriz curricular do curso ao longo das edições. No quadro 3, algumas das respostas registradas:

Fonte: Autor (2024)
Face aos resultados aferidos, e como principal conclusão da breve pesquisa, postula-se a hipótese de que iniciativas como a do Curso de Conduta de Sobrevivência e Autoproteção Policial (COSAP) possam ser replicadas como instrumento para o alcance da meta de número 6 do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Redução da vitimização de profissionais de segurança pública).
Esse pressuposto é reforçado pela constatação de que a capacitação em tela, além de apresentar baixo custo logístico, mostra-se aplicável a todos os profissionais de segurança pública, independentemente da instituição de origem, com a percepção da alta assimilação de técnicas eficazes para a segurança e salvaguarda dos profissionais de segurança pública, sobretudo nos momentos em que se encontrem de folga.