Segurança pública nos municípios 28/08/2024

A atuação dos municípios na segurança pública: potencialidades e limitações

Somente com a viabilização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) conseguiremos articular os esforços dos diversos entes federados, deixando ao município as atribuições que lhe são vocacionadas

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Luis Flavio Sapori

Professor da PUC-MG e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os executivos estaduais são os principais gestores da segurança pública na sociedade brasileira. Estão sob a autoridade dos governadores as polícias militares e civis, como também a custódia de presos provisórios e de presos condenados. O pacto federativo em vigor no país ainda privilegia a dimensão estadual do Ministério Público, do Judiciário e da Defensoria Pública. A União também tem sob sua autoridade duas polícias, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, e também administra um sistema penitenciário próprio. Além disso, não esqueçamos que o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Judiciário também apresentam estruturas federais, distintas e autônomas em relação às estruturas estaduais.

Não se deduza disso que os executivos municipais estão isentos de responsabilidades importantes na provisão da segurança pública. E por uma razão muito simples: a política de controle da criminalidade e da violência não se limita à gestão das organizações policiais, judiciais e prisionais. Sua abrangência é maior, devendo incorporar a gestão de políticas urbanas e de prevenção social. A boa política de segurança pública deve superar a dicotomia repressão versus prevenção social e o município tem papel fundamental nesse processo.

Os cidadãos vivem nas cidades, em algum bairro ou comunidade, e nesses territórios é que os problemas concretos de insegurança são vivenciados e devem ser solucionados. Muitos dos problemas da criminalidade derivam de manifestações cotidianas de desordem urbana, que vão da proliferação de depredações e pichações de imóveis e equipamentos públicos e privados, passando pelo descumprimento das regulações urbanas até a ostensividade do comércio ambulante e informal. A boa atuação da prefeitura na solução dessas questões, em articulação com as polícias estaduais, pode ajudar e muito no controle da criminalidade.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à prevenção social da criminalidade, que deve ser executada, preferencialmente, em termos locais. Há um claro consenso entre os estudiosos de que a boa política de prevenção social deve ser focalizada no que tange ao público-alvo e ao território. A palavra de ordem é gestão local de projetos focados no enfrentamento dos fatores de risco da violência. Em especial, há enorme potencial para a formulação e implementação de políticas públicas municipais direcionadas para jovens residentes em regiões de alta vulnerabilidade social no sentido de diminuir as chances de recrutamento de parte deles pelo tráfico de drogas.

Além disso, os municípios têm vasto campo de atuação no policiamento ostensivo por meio de suas guardas, que podem complementar e articular os esforços das polícias militares. A presença ostensiva, preventiva e comunitária das guardas municipais em praças públicas, nos arredores das escolas e em parques é importante contribuição à atuação das polícias militares. Merece destaque também a extrema relevância da presença constante das guardas municipais nas Unidades Básicas de Saúde, locais nos quais os conflitos entre usuários e funcionários são crônicos. A atribuição mediadora de conflitos das Guardas Municipais deve sobressair nessas situações.

Contudo, não há como fazermos dos municípios o principal locus de experiências exitosas de controle da criminalidade. O arranjo institucional da segurança pública na sociedade brasileira impõe sérias e objetivas restrições nesse sentido. É pouco provável que consigamos reproduzir no Brasil modelos de políticas municipais de segurança pública que se tornem cases internacionais de sucesso, como Nova Iorque e Medellin. Aspecto decisivo dos bons resultados alcançados nessas cidades reside na autoridade do executivo municipal sobre as forças policiais que atuam em seus territórios, a despeito de suas especificidades.

A institucionalidade vigente no Brasil não dota o prefeito de autoridade sobre as polícias militar e civil. Não há como reduzir a criminalidade sem a intensificação da eficácia do policiamento ostensivo e da investigação criminal. Em outras palavras, a reversão consistente dos indicadores de criminalidade violenta em nossa sociedade ao longo do tempo não tem como ser capitaneada pelos municípios. Não são casuais, portanto, as raríssimas experiências exitosas, ainda não devidamente avaliadas, de políticas municipais de controle da violência no país.

Não basta a vontade política da chefia do executivo municipal para que a realidade local se transforme drasticamente. Se não houver convergência política entre prefeito(a) e governador(a), todo o esforço local de controle da criminalidade tende a se perder muito facilmente. É recorrente o argumento de que, se o executivo municipal implementar ações consistentes de restauração da ordem urbana ou mesmo investir em projetos eficientes de prevenção social da violência, os indicadores de criminalidade violenta tenderão a arrefecer no decurso do tempo. Mas, se tais ações não vierem complementadas e articuladas com a atuação eficaz das forças policiais estaduais e federais, e se não houver compromisso de cooperação mínimo do Ministério Público e do Judiciário, todo esse esforço será em vão. E não há como alcançar sucesso nesse verdadeiro esforço de governança apenas no âmbito local.

A solução do impasse passa necessariamente pela implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Somente com a viabilização desse novo arranjo institucional é que conseguiremos articular os esforços dos diversos entes federados, deixando ao município as atribuições que lhe são vocacionadas.

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