A administração penitenciária como pauta obrigatória das eleições
Não podemos admitir candidaturas silentes sobre o tema. Não lidar com ele, como vimos, pode resultar em mortes de quem está preso, livre ou trabalha na administração penitenciária. Não podemos normalizar mortes por inércia ou má gestão pública
Lívio José Lima e Rocha
Investigador de Polícia na Polícia Civil do Estado de São Paulo. Pesquisador no Grupo de Segurança Pública e Cidadania da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Algumas pessoas, ao visitar um país desenvolvido pela primeira vez, ficam surpresas com a ausência ou reduzido número de moradores de rua, o que costuma ser um indicador visível da desigualdade social. Temos outros fatores que distinguem os países desenvolvidos também. Um deles costuma ser extremamente invisível: a administração penitenciária.
A administração penitenciária, como parte do sistema de justiça criminal, é um tema em que há elementos suficientes para entendermos o país visitado, pois é a consequência de diversas escolhas políticas da sociedade local. Por exemplo, as possibilidades de transação penal ou não-persecução penal; a criminalização ou não de determinadas condutas; perfil social e econômico dos réus; velocidade do processo penal; direitos e garantias da pessoas acusadas; guerra às drogas; menoridade penal; sistema de reeducação juvenil, entre outros.
Uma vez que a pessoa está aos cuidados da administração penitenciária, essa administração devolve para a sociedade os seus indicadores de boa, ou não, gestão pública: quantidade de reeducandos por cela, quantidade de estabelecimentos prisionais, qualidade da infraestrutura, investimentos, custos por pessoa privada da liberdade e afins.
Por fim, o resultado desses fatores (sistema de justiça criminal, administração penitenciária e opções políticas da sociedade) dará a medida da reintegração à sociedade da pessoa que cumpriu sua pena e e a taxa de reincidência.
Até agora, vimos algumas obviedades quando se trata de administração penitenciária. No Brasil, nada é óbvio nesse tema.
Tomando como base apenas os últimos quatro anos, tivemos os massacres do presídio de Altamira, que resultou em 62 mortes, e do presídio de Pedrinhas, que resultou em 18 mortes. No final de 2019, foi aprovada a criação da Polícia Penal. Suicídio de policiais penais, fugas, rebeliões e uso dos presídios como centros de contratação e gerenciamento por grupos do crime organizado continuam sendo uma constante.
Além das providências após os episódios, quais discussões, no nível político, esse fatos provocaram? Quem está analisando os problemas e procurando soluções?
Para quem não é familiarizado com o tema, o primeiro aprendizado é saber que a administração penitenciária é um assunto a ser evitado o máximo possível pelos dirigentes políticos: dificilmente os investimentos são de longo prazo e os governos não costumam enxergar lucros eleitorais em medidas de curto prazo. Como vimos no começo, é um assunto invisibilizado. A população enxerga viaturas nas ruas, policiais ostensivos, ocorrências no noticiário sobre prisões. Um presídio bem administrado não vira notícia.
O segundo aprendizado é que vale para a administração penitenciária todas as discussões recorrentes da segurança pública, mesmo que não seja expresso que é parte desta: a Constituição Federal foi evasiva no assunto, não temos um planejamento estratégico do que queremos, temos iniciativas desencontradas e não temos a aplicação de boas práticas de gestão pública.
Como exemplo dessa ausência de gestão pública, podemos citar a criação da Polícia Penal: por que não foi incluída no rol do art.144 da Constituição Federal ao tempo da Assembleia Constituinte, se faz parte do sistema de justiça criminal? Pelo mesmo motivo das discussões estéreis sobre a Guarda Civil ser ou não uma força policial: lobby contrário das demais forças policiais. Desde dezembro de 2019, quando houve a inclusão da Polícia Penal no texto constitucional, não cabe mais discussão sobre a sua existência. No entanto, como será a regulamentação da Polícia Penal, sem sabermos que administração penitenciária queremos? Como ficam as atividades-fim e atividades-meio, algo que também é discutido nas forças policiais estabelecidas anteriormente? Não cabe falar, por exemplo, em privatização de presídios sem responder essas perguntas.
O nosso objetivo, como de costume, não é responder essas perguntas. É defender a necessidade dessa pauta estar no debate eleitoral. São diretrizes para avaliar o que foi feito pelas pessoas no comando executivo e nas cadeiras do legislativo e que buscam a reeleição e, ao mesmo tempo, avaliar as propostas que as novas candidaturas possam ter sobre o assunto. O que não podemos admitir são candidaturas silentes sobre o tema. Não lidar com ele, como vimos, pode resultar em mortes de quem está preso, livre ou trabalha na administração penitenciária. Não podemos normalizar mortes por inércia ou má gestão pública.