Múltiplas Vozes 06/11/2025

Políticas de enfrentamento ao crime organizado no Pará: a experiência da operação “Sem Fronteiras”

O enfrentamento à criminalidade organizada demanda políticas públicas integradas, ações interinstitucionais articuladas e estratégias de longo prazo capazes de atingir fundamentos econômicos, sociais e culturais que sustentam as várias camadas do Estado Brasileiro

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Daniela Sousa dos Santos de Oliveira

Mestranda em Segurança Pública na Universidade Federal do Pará (UFPA). Delegada de Polícia Civil do Pará (PCPA). Diretora da Academia de Polícia da PCPA

Edson Marcos Leal Soares Ramos

Doutor em Engenharia da Produção e Professor do Curso de Pós-graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará (UFPA)

Alethea Maria Carolina Salles Bernardo

Mestra em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará; Doutoranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará; Escrivã de Polícia Civil do Estado do Pará

A atuação violenta de facções criminosas representa um dos principais desafios enfrentados pelas polícias judiciárias em todo o território nacional. O fortalecimento bélico e financeiro desses grupos, aliado a redes de articulação e estratégias de proteção que ultrapassam fronteiras estaduais, tem dificultado a execução de políticas eficazes de segurança pública.

Estudos apontam a necessidade de desarticulação das organizações criminosas por meio de atividades de inteligência e descapitalização financeira, embora nem sempre saibam com clareza o que essas técnicas envolvem e as nuances que permeiam esse tipo de investigação policial. Fato é que, há décadas, os Estados — algumas vezes com estruturas contingenciadas e recursos insuficientes — são cobrados a trazer soluções salvadoras em prazos exíguos.

A presença de facções criminosas se estende de sul ao norte do Brasil, e o estado do Pará não está à margem desse fenômeno. Como parte da região amazônica, o território paraense tem se consolidado como espaço estratégico para a atuação diversificada desses grupos, seja por meio do comércio varejista de entorpecentes e extorsões virtuais a comerciantes, seja como rota logística para o tráfico internacional de drogas. No entanto, uma característica particularmente alarmante marca o contexto local nos últimos anos: a escalada da violência contra agentes de segurança pública.

Diante desse contexto, a Polícia Civil do Pará compreendeu que, para fazer frente aos ataques, deveria investir em três pilares: (i) desforço imediato, com a responsabilização das lideranças das organizações em cada atentado; (ii) ações de médio prazo, com a criação de uma Delegacia Especializada no Combate às Facções Criminosas, um grupo de trabalho específico no Núcleo de Inteligência Policial e um grupo intersetorial na gestão tática policial, voltado à análise situacional e elaboração de planos táticos; (iii) medidas de longo prazo, com a instituição de uma ampla política de enfrentamento às facções criminosas, envolvendo aperfeiçoamento profissional, estudos de caso, prospecção de cenários e práticas investigativas qualificadas.

Dentre as iniciativas de curto prazo, destacam-se as apurações de alta complexidade realizadas a partir de casos isolados investigados originariamente pela Delegacia de Homicídio de Agentes Públicos (DHAP), que culminaram no indiciamento e prisão de executores de atentados contra policiais de várias forças da segurança pública paraense. Esses casos foram repassados para o grupo de trabalho tático, que expôs o panorama crítico aos órgãos de justiça, comprovando que, embora os atentados partissem de vários executores faccionados, havia um pequeno núcleo de mandantes, sendo o nacional Leonardo da Costa Araújo, conhecido como L41, a pessoa com maior poder de controle. Assim, foi desenvolvida uma metodologia investigativa rigorosa para comprovar a materialidade delitiva por parte do verdadeiro ordenador dos atentados, a fim de evitar falhas procedimentais que pudessem comprometer todo o desforço das equipes policiais.

Alcançado o objetivo inicial — a prova legal de vinculação das lideranças com os atentados — passou-se à operacionalização dos cumprimentos de mandados. Outro entrave, então, se apresentou à Polícia Civil do Pará (PCPA): todos os alvos residiam em comunidades do Rio de Janeiro, consideradas áreas conflagradas e de difícil acesso policial. Para acessar esses espaços, foram necessárias tratativas interinstitucionais, exigindo inclusive interlocuções políticas. Em meados de 2022, a PCPA instalou, em cooperação com a PCRJ, uma base de inteligência policial no outro estado, além de investir no desenvolvimento de equipamentos tecnológicos mais robustos, capazes de localizar os alvos com maior precisão e afetar minimamente a comunidade do entorno.

Convém esclarecer que, intencionalmente, foram colocadas mulheres nas equipes operacionais, táticas e tomadoras de decisão, visando possibilitar que as análises fossem realizadas a partir de perspectivas em diversas dimensões no que concerne às ações de levantamento de campo, análise de inteligência, mediações e articulações interinstitucionais mais eficazes e plurais.

Em março de 2023, após um grande levantamento policial com a informação precisa do endereço de L41, equipes da PCPA, CORE RJ e BOPE RJ adentraram o morro do Salgueiro, localizando no ponto mais alto a casa do alvo, estrategicamente situada perto da mata. Foi necessária a cobertura aérea de dois helicópteros da segurança pública fluminense para apoiar as equipes, sendo que uma das aeronaves chegou a ser alvejada por disparos efetuados pelos criminosos. No conflito, 13 pessoas vieram a óbito em confronto policial, outras duas foram presas e foram apreendidos 13 fuzis e duas pistolas.

O objetivo operacional da PCPA era direcionar recursos para uma atuação repressiva pontual, que não afetasse a comunidade local e alcançasse a responsabilização penal dos alvos. Ressalta-se que a PCPA é uma força policial com baixa incidência de letalidade e vem se dedicando à contínua qualificação das investigações, sendo reconhecida nacionalmente por seu desempenho técnico. Todavia, o que se viu no RJ foi um ambiente operativo crítico, de risco e insegurança, que não deixou margem para o uso menos agressivo da força.

Nos anos seguintes, não houve uma significativa queda nos registros de atentados contra agentes de segurança pública, mas a facção com maior atuação no Pará migrou para outras modalidades delitivas menos violentas, embora jamais tenha deixado de agir. Isso levou ao redirecionamento das atividades de polícia judiciária e à implementação de políticas estruturantes que alcancem as organizações em seu capital financeiro.

Em que pese a relevância das táticas combativas empreendidas pelas forças policiais, é preciso reconhecer que tais medidas, por si só, não possuem o condão de extinguir essas organizações. Elas integram um contexto operativo voltado à responsabilização penal por práticas delitivas que atentam contra o Estado e provocam profunda desorganização social.

A atuação desses grupos é multifacetada, com raízes que se entrelaçam a diversos setores da sociedade, evidenciando que o enfrentamento à criminalidade organizada exige muito mais do que intervenções policiais pontuais. Trata-se de uma realidade imbricada, que demanda políticas públicas integradas, ações interinstitucionais articuladas e estratégias de longo prazo capazes de atingir fundamentos econômicos, sociais e culturais que sustentam as várias camadas do Estado Brasileiro.

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