Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais. Policial civil no Distrito Federal. Associado do FBSP. Professor substituto no IPOL/UnB
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), elegeu a segurança pública como uma das prioridades do Parlamento[i]. Talvez ainda busque reparar a imagem da instituição e de seus membros após a repercussão negativa da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 3/2021, a desventurada “PEC da Blindagem”. Independentemente da motivação, ao focar na segurança, Motta aposta em um tema de forte apelo junto à opinião pública, especialmente diante do avanço da criminalidade organizada e das dificuldades do governo federal em lidar com o assunto. A questão que se impõe é: qual segurança pública o Parlamento de fato prioriza?
Na condição de controlador da agenda da Câmara dos Deputados, o presidente tem em mãos um arsenal de projetos prontos para serem pautados conforme a conveniência política do momento. Nesse sentido, Motta arregimentou um pacote de projetos sobre segurança pública que, segundo ele, conta com a concórdia da maioria dos secretários estaduais da pasta. Vale destacar que parte desses gestores estaduais vem criticando pontos da Proposta de Emenda à Constituição nº 57/2023, a PEC da Segurança Pública, capitaneada pelo governo federal[ii]. Ademais, no pacote indicado por Motta, a proposta constitucional do governo Lula não foi incluída, embora ele tenha se comprometido com a apreciação da peça ainda neste ano.
Dessa forma, o pacote de projetos da segurança pública figura como uma agenda própria da Câmara dos Deputados para a área, frente à do governo federal. Observa-se que o tema, com seus dilemas e desafios, tende a ser explorado como recurso eleitoral nas eleições de 2026, tanto em âmbito estadual quanto nacional. Daí a mobilização do Parlamento nesse campo constituir um aceno ao eleitorado, sobretudo às populações tomadas pelo medo da criminalidade. É fato, discursos inflamados de endurecimento penal e guerra ao crime costumam atrair mais atenção da opinião pública do que discussões sobre as complexidades do campo da segurança pública, o que torna o tema um ativo político cobiçado no mercado eleitoral.
O pacote da Câmara reúne oito projetos de lei (PL) que tramitam em regime de urgência e que, em grande parte, seguem a receita conservadora de enfrentamento à criminalidade: mais penas, mais crimes e mais prisões. Entre eles, destacam-se o PL 4176/2025, que aumenta penas para homicídios e lesões corporais contra agentes do Estado; o PL 4333/2025, que amplia hipóteses de prisão em flagrante; o PL 4499/2025, que tipifica o crime de “Domínio de Cidades” e o inclui entre os hediondos; o PL 4500/2025, que reforça a repressão a organizações criminosas; e o PL 4503/2025, que cria o crime de obstrução de justiça.
Outras proposições, como o PL 4331/2025 e o PL 4332/2025, tratam do aumento da arrecadação com apostas esportivas e da destinação de bens e valores confiscados do tráfico de drogas, respectivamente. Já o PL 4498/2025 propõe maior integração entre órgãos de fiscalização e persecução penal. De toda forma, essas medidas abordam questões de política criminal, cooperação entre os órgãos e mecanismos de financiamento do campo da segurança pública, o que representa um debate ao qual o Congresso Nacional não deveria se furtar.
Não obstante, o momento do referido pacote legislativo parece ser parte do jogo político em torno do protagonismo almejado por setores do Parlamento, o qual transforma a segurança pública em mais uma peça estratégica na disputa por liderança nas pautas prioritárias do país; ainda mais nas proximidades do período eleitoral. O problema disso não reside na atuação do Legislativo, cuja contribuição para a segurança pública é essencial num Estado democrático. A questão central é a abordagem, porquanto prevalece entre os parlamentares um viés punitivista que trata o aumento de penas e a criação de novos crimes como soluções suficientes para disfunções estruturais da segurança pública. Essa obsessão punitivista é parte do próprio problema.
Em suma, o movimento orquestrado por Hugo Motta busca dar respostas imediatistas a um problema complexo. Ao novamente privilegiar o endurecimento penal, o Parlamento opta por medidas de efeito simbólico em detrimento de ações estruturais. Assim, a questão permanece: a iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados busca uma segurança pública efetiva e razoável ou apenas mais um expediente a ser explorado no tabuleiro eleitoral? A resposta a essa indagação não se limita às vicissitudes eleitorais, porquanto tem consequências no modelo de segurança pública pretendido pelo Brasil.
REFERÊNCIAS