Perícia em evidência 01/10/2025

A “era da vigilância” e o impacto do Big Brother na perícia. Sorria, você está sendo vigiado!

Disponível na contemporaneidade, a profusão de imagens tem colaborado para a elucidação de crimes

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Certamente você já ouviu o termo “era da vigilância”. Há algumas décadas começamos a denominar nosso presente dessa forma. O termo se refere a uma realidade cada vez mais consolidada: vivemos em uma sociedade que nos vigia o tempo todo. De forma explícita, temos nossas imagens capturadas por câmeras de segurança privada em residências, condomínios, estabelecimentos comerciais ou câmeras públicas, como as de trânsito e as que são empregadas especificamente para a vigilância. Tais aparelhos têm sido instalados em centros urbanos, fazendo parte de projetos de segurança pública. Em parte, eles substituem a vigilância física normalmente realizada por polícias ostensivas, aumentando assim a abrangência, cobrindo áreas cada vez maiores, reduzindo custos. É um caminho sem volta e com desdobramentos também para a perícia criminal.

O tema da vigilância sempre esteve presente na dita modernidade. Antes mesmo de tornar-se tão presente, foi tema de diversas obras literárias distópicas que pareciam “prever” o futuro da humanidade. Algumas dessas obras, hoje beirando o rótulo de clássicos, merecem ser lidas, podendo servir como alertas para futuros ainda mais sombrios, com realidades indesejadas, mas não podemos excluir o risco de que venham a se materializar algum dia, totalmente ou em parte.

Aqui oferecemos menções a algumas dessas obras literárias, que de alguma forma apresentam processos de vigilância e monitoramento:

1984 — George Orwell, 1949. Totalitarismo, propaganda, vigilância, linguagem e controle do pensamento dominam a temática. No enredo, um Estado totalitário controla linguagem, pensamento e história por meio  da vigilância, manipulação de informação e repressão. Essa obra deu origem ao termo “Big Brother.

Admirável Mundo Novo (Brave New World) — Aldous Huxley, 1932.  Com temas que incluem tecnologia, prazer como controle social, consumo e perda da humanidade. A obra reproduz um futuro em que engenharia genética, condicionamento social e consumo mantêm a ordem. O conflito surge quando valores humanos (amor, arte, liberdade) são ameaçados.

Fahrenheit 451 — Ray Bradbury, 1953. Na temática: censura, empobrecimento cultural, conformismo, importância da literatura. O enredo conta como num futuro distópico, bombeiros queimam livros em um sistema em que a leitura é proibida. Em dado momento, um bombeiro começa a se rebelar.

Laranja Mecânica  (A Clockwork Orange) — Anthony Burgess, 1962. Temas como violência, responsabilidade moral, condicionamento e liberdade individual são abordados. No enredo, um jovem violento é submetido a uma “cura” comportamental promovida experimentalmente pelo Estado. A moralidade do controle sobre o livre-arbítrio é então questionada.

O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale) — Margaret Atwood, 1985.Com temática que inclui misoginia, controle reprodutivo, teocracia e resistência, a obra narra um mundo em que uma teocracia totalitária patriarcal se estabelece. Nela as mulheres férteis são escravizadas para reprodução. Tudo visto pelos olhos de uma Aia (uma dessas mulheres escravizadas).

Também merece menção uma obra cinematográfica:

Gattaca – A Experiência Genética” (1997). Filme de ficção científica que retrata uma sociedade distópica na qual as pessoas são divididas entre “válidos” (concebidos por seleção genética) e “inválidos” (nascidos naturalmente). A temática explora os perigos da eugenia, a luta do indivíduo contra o destino imposto pelos genes e a definição de “humanidade“.

A utilização de celulares (smartphones) potencializou ainda mais a sensação de vigilância que nos domina. Cidadãos se tornaram um potencial exército, portando câmeras que fotografam e filmam.

E a perícia? Foi afetada por essa nova realidade? A resposta, é claro, é afirmativa. Setores que realizam perícias em vídeos, imagens e nos próprios dispositivos constituem as áreas que mais cresceram em demanda e emissão de laudos periciais. A chamada informática forense e as análises audiovisuais produzem cada vez mais provas técnicas.

Apenas para exemplificar casos recentes:

No caso do empresário que matou um gari em Belo Horizonte, no mês de agosto:

O empresário Renê da Silva Nogueira Júnior foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio duplamente qualificado, porte ilegal de arma e ameaça após a morte do gari Laudemir de Souza Fernandes, no dia 11 de agosto. Câmeras filmaram o empresário antes, durante e depois do cometimento do crime, o que potencializo a repercussão do caso.

O empresário atirou no gari após uma discussão em relação à prioridade para passar na via onde o gari trabalhava com colegas recolhendo o lixo. Depois, o autor do disparo foi filmado em seu condomínio, seguindo rotina de um dia normal, chegando a se dirigir à academia de musculação, onde foi detido. Simples assim: “Matou o gari e foi para academia”.

A situação remete a uma versão real de um filme de sucesso: “Matou a família e foi ao cinema”, filme brasileiro de 1969, dirigido e escrito por Júlio Bressane. Em 1991, foi lançada uma refilmagem, dirigida por Neville de Almeida.

Outro caso recente, documentado por câmeras, foi a morte do delegado Ruy Ferraz, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo.  O crime ocorreu no dia 15 de setembro passado. Câmeras de segurança gravaram toda a ação de execução. As imagens mostraram ao menos seis envolvidos saindo de um dos três carros usados na perseguição ao veículo do ex-delegado. Foram efetuados pelo menos 21 disparos, de acordo com peritos. Ruy Ferraz foi atingido com ao menos 12 tiros de fuzis.

As imagens estão ajudando nas investigações. Exames de DNA e impressões digitais permitiram as primeiras identificações dos envolvidos.

A era da vigilância caminha para se tornar também a era da perícia digital.

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