Fronteiras Amazônicas 10/09/2025

A (des)governança nas fronteiras amazônicas: desafios à segurança nacional

É fundamental construir uma estratégia de segurança nacional integrada que promova a sinergia entre os órgãos no dia a dia e estabeleça uma atuação de rotina capaz de preencher as lacunas do controle territorial

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Cesar Mello

Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Pesquisador Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Ariadne Natal

Pesquisadora Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP)

Para o viajante habituado a transitar entre países, a palavra “fronteira” evoca a imagem de pontos de controle, filas de veículos e autoridades rigorosas. Nesses locais, documentos são minuciosamente checados, propósitos de viagem são questionados e bagagens são inspecionadas em busca de bens proibidos, como narcóticos, animais exóticos ou bens ilícitos. A intensidade desses procedimentos reflete o grau de risco que cada fronteira representa à segurança nacional.

No entanto, a vasta fronteira amazônica brasileira, que se estende por aproximadamente 6 mil km com Peru, Colômbia e Venezuela, subverte essa expectativa. Apesar da proximidade com nações que são centro de produção de cocaína e de onde partem rotas do tráfico global, pessoas e mercadorias circulam livremente sem a supervisão de qualquer mecanismo de controle ou fiscalização estatal, expondo o país a uma vulnerabilidade crítica de segurança.

Não há justificativas para a ausência de controle nessas regiões, mas o problema pode ser compreendido por duas vertentes principais: uma de natureza geográfica e outra de governança.

A geografia da Amazônia constitui, por si só, um obstáculo monumental para segurança e soberania do país. Sua extensão, a predominância de florestas densas e uma complexa rede de rios tornam as nossas divisas naturalmente permeáveis. Essa realidade física dificulta sobremaneira a implementação de uma fiscalização abrangente e eficiente, criando um ambiente de vulnerabilidade. Adicionalmente, acordos diplomáticos históricos permitem o livre trânsito de embarcações entre esses países.

No que tange à governança, a problemática é ainda mais intrincada. A fiscalização das fronteiras brasileiras, em especial na região amazônica, não é responsabilidade de uma única entidade. Ela se distribui entre diversas esferas e órgãos do Estado. Essa fragmentação institucional, aliada à presença intermitente do Estado, à falta de uma política de atuação coesa e à deficiência na integração entre as instituições gera lacunas que tornam o terreno fértil para a presença da criminalidade na região.

A cidade de Tabatinga, no Alto Solimões, Amazonas, ilustra bem essa situação. Situada na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, a divisa com Letícia, na Colômbia, é marcada apenas por um simples marco geodésico na calçada da grande avenida que conecta as duas cidades. Já Santa Rosa, no Peru, é acessada após uma viagem fluvial de poucos minutos, que se cumpre cruzando o rio que separa os países.

Nesse local, encontram-se diversas instituições que, em teoria, deveriam atuar no combate ao tráfico de entorpecentes e a crimes correlatos. O Exército Brasileiro, embora conte com um efetivo superior a mil homens, prioriza atuação de defesa e ocupação de alguns pontos considerados estratégicos. O efetivo fica estático em pelotões de fronteira, com um uso pontual de seu potencial em operações específicas, mas sem responsabilidade pelo patrulhamento terrestre ou fluvial de rotina. A Marinha do Brasil, com uma Capitania dos Portos e um destacamento de fuzileiros navais, restringe sua atuação à fiscalização administrativa e segurança das embarcações, não realizando inspeção de pessoas ou cargas. Os fuzileiros, por sua vez, atuam na proteção das instalações físicas da Marinha e dos próprios agentes de fiscalização.

A Polícia Federal, por sua vez, tem a atribuição de atuar como polícia de fronteira, mas não executa fiscalização ostensiva nem patrulhamento, alegando carência de pessoal e recursos, concentrando sua missão em tarefas investigativas, de polícia judiciária e em operações sazonais. Órgãos como o IBAMA e o ICMBIO não possuem representação fixa no local, atuando em operações. A FUNAI mantém presença em bases fixas no Vale do Javari, com o objetivo de preservar o isolamento das comunidades indígenas.

Essa falta de uma política de segurança de fronteiras integrada e a ausência de um órgão coordenador compõem um cenário de inação. As instituições, ao atuarem em silos, criam uma zona cinzenta de responsabilidade na qual o patrulhamento ostensivo e a fiscalização de transeuntes e cargas – ações essenciais para o controle cotidiano da criminalidade – não são vistos como atribuições primárias por nenhum dos órgãos federais com presença na região.

Nesse contexto, a Polícia Militar e a Polícia Civil, que são forças estaduais e enfrentam limitações de efetivo e recursos, acabam por assumir papel desproporcional. Elas se veem obrigadas a suprir uma demanda de segurança que exigiria uma atuação coordenada de múltiplos órgãos, evidenciando a falência de um sistema de governança fragmentado e ineficaz. A ausência de uma política de segurança de fronteiras que promova a integração e a unidade entre os órgãos resulta em uma presença estatal insatisfatória ou na escassez de meios para o cumprimento de suas missões, perpetuando, assim, um cenário de fiscalização deficiente.

Iniciativas como a recente criação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia são bem-vindas, mas é preciso ter no horizonte que a superação dos desafios da governança fragmentada exige mais do que grandes operações pontuais ou sazonais. É fundamental construir uma estratégia de segurança nacional integrada que promova a sinergia entre os órgãos no dia a dia e estabeleça uma atuação de rotina capaz de preencher as lacunas do controle territorial, assegurando uma presença estatal constante e à altura da vasta dimensão do desafio e da proteção da soberania brasileira na região.

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