Roberto Uchôa
Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutorando em Democracia do Século XXI no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
A guerra global contra as drogas entrou numa nova e inquietante fase. Em julho de 2025, a apreensão, realizada pela Marinha da Colômbia, do primeiro narcossubmarino não tripulado e guiado remotamente, assinalou mais do que uma operação bem-sucedida; representou a materialização de uma mudança de paradigma tecnológico e estratégico. O que começou há décadas como uma tática de contrainsurgência logística dos cartéis colombianos evoluiu para uma ameaça sofisticada que agora visa diretamente ao tráfico transoceânico com uma eficiência sem precedentes.
O conceito de narcossubmarino nasceu da necessidade. No final do século XX, a intensificação da vigilância em portos e aeroportos forçou os cartéis colombianos a procurar um novo domínio para o transporte de cocaína: o ambiente submarino. As primeiras embarcações, construídas em estaleiros clandestinos nas profundezas da selva, eram rudimentares. Com o tempo, evoluíram para semissubmersíveis de propulsão própria (SPSS), projetados para navegar com um perfil mínimo acima da água, tornando-os quase invisíveis a olho nu e de difícil detecção por radar.
A operação “Maré Negra”, em novembro de 2019, que culminou na primeira apreensão de um narcossubmarino na Europa, ofereceu um vislumbre das condições desumanas a bordo. Uma tripulação de três homens navegou quase 6.500 quilômetros do Brasil à Espanha numa embarcação artesanal de 22 metros, o “Che”. Durante quase um mês, enfrentaram tempestades, saneamento inexistente e um ambiente claustrofóbico, motivados por uma carga de três toneladas de cocaína avaliada em centenas de milhões de euros. O caso ilustra o modelo de negócio de alto risco das organizações criminosas, no qual as tripulações são tratadas como ativos descartáveis.
Enquanto as rotas do Pacífico para os Estados Unidos permanecem ativas, a última década testemunhou um monumental pivô estratégico em direção ao mercado europeu. Impulsionadas por preços mais elevados e margens de lucro maiores, as organizações criminosas estabeleceram uma robusta ponte transatlântica. As apreensões de cocaína na Europa superam agora as dos Estados Unidos, confirmando a mudança de foco.
Nesta nova geografia, o Brasil tornou-se um “pivô” logístico fundamental. A sua vasta costa atlântica e a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) criaram a plataforma de lançamento perfeita. O narcotráfico moderno opera agora num ecossistema descentralizado, semelhante a uma franquia global. Cartéis colombianos atuam como “produtores”, enquanto o PCC se estabeleceu como o principal “franqueado” de logística para o Atlântico, com presença estabelecida na África e na Europa para facilitar a distribuição.
A Península Ibérica é o principal portal de entrada. A costa acidentada da Galícia, na Espanha, tornou-se um destino ideal. Após a interceção do “Che” em 2019, um segundo submarino, o “Poseidon”, foi descoberto em março de 2023. Embora vazio, a descoberta de lanchas rápidas (“narcolanchas”) nas proximidades sugere que a sua carga foi transferida com sucesso em alto-mar antes de a embarcação ser afundada, demonstrando um método operacional refinado.
Portugal consolidou-se como outro ponto de entrada crucial. Em março de 2025, a operação “Nautilus” interceptou um semissubmersível a 900 quilômetros dos Açores com uma carga massiva de 6,6 toneladas de cocaína. A interdição, realizada em pleno oceano, foi um sucesso notável, impedindo que a tripulação multinacional, composta por brasileiros, um colombiano e um espanhol, afundasse a embarcação. A rota, partindo da foz do rio Amazonas no Brasil com destino a Portugal, sublinha a natureza e a escala dessas operações transnacionais.
A apreensão do primeiro “drone submersível” do narcotráfico em julho de 2025, no Caribe colombiano, representa uma ruptura tecnológica. A embarcação, atribuída ao Clã do Golfo, foi encontrada vazia, provavelmente numa “fase de teste”. A descoberta confirmou os receios dos serviços de inteligência, que há anos monitoravam os esforços das organizações criminosas transnacionais para desenvolver submarinos não tripulados.
A sofisticação do protótipo reside na sua tecnologia. Equipado com uma antena de internet via satélite da Starlink, podia ser pilotado remotamente a partir de qualquer lugar do mundo, um salto quântico em relação aos sistemas de comunicação anteriores. O seu design hidrodinâmico e de baixo perfil torna-o extremamente furtivo e quase imune à detecção por radar.
A transição para sistemas não tripulados altera drasticamente a análise de risco-recompensa para as organizações criminosas. A principal vantagem é a eliminação do risco humano. Em caso de captura, a perda é puramente material; não há tripulação para ser presa e interrogada. O elo mais fraco da cadeia operacional é removido, criando enormes obstáculos processuais e tornando a atribuição de responsabilidade penal quase impossível. Livres das restrições biológicas, estes UUVs (Unmanned Underwater Vehicles) podem realizar missões mais longas e arriscadas, tornando o modelo de negócio global mais eficiente e resiliente.
A luta contra os narcossubmarinos é um exemplo clássico de guerra assimétrica. A sua construção em fibra de vidro e o design de baixo perfil tornam-nos “quase invisíveis” aos sistemas de radar e sonar. A Guarda Costeira dos EUA estima que apenas um em cada quatro é interceptado, uma taxa que permite que um volume massivo de drogas chegue ao seu destino.
Dada a dificuldade de detecção, a estratégia mais viável é uma abordagem focada em inteligência para desmantelar as redes em terra, por meio da cooperação internacional, do controle de materiais precursores e do rastreio financeiro. No entanto, a ameaça continua a evoluir. As trajetórias futuras apontam para o uso de enxames de UUVs para saturar as defesas, navegação autônoma alimentada por IA para evitar patrulhas, e embarcações totalmente elétricas e submersíveis, que seriam virtualmente indetectáveis.
O narcossubmarino evoluiu de uma ferramenta tática improvisada para uma arma estratégica de primeira ordem no arsenal do crime organizado transnacional. A chegada dos sistemas não tripulados marca o início de uma nova era de narcoguerra, na qual a tecnologia, a furtividade e a negação plausível conferem uma vantagem assimétrica avassaladora às organizações criminosas transnacionais. A resposta dos Estados não pode ser reativa. É necessária uma transição urgente de uma estratégia de interdição física para uma de disrupção de redes, baseada em inteligência, domínio tecnológico e inovação jurídica. O fracasso em adaptar-se a essa nova realidade submersa garantirá que as organizações criminosas continuem a navegar, invisíveis e impunes, sob as ondas da segurança global.
Referência
- Texto originalmente publicado no Substack. É possível acessar a versão original aqui.