Qual segurança pública poderá ser o fiel da balança na disputa eleitoral de 2026?
Qual modelo de segurança pública estará na disputa eleitoral? Teremos aquele que apregoa tiro, porrada e bomba? Ou haveria espaço para outro, que contenha propostas de medidas eficientes baseadas em evidências e com respeito aos direitos humanos?
Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais. Policial civil no Distrito Federal. Associado do FBSP. Professor substituto no IPOL/UNB
As dinâmicas da segurança pública e seus reflexos eleitorais vêm se consolidando como um terreno fértil para debates e, mais importante, para a instrumentalização política. Nesse contexto, possíveis presidenciáveis já vislumbram elevar o tema da segurança pública para o centro da corrida eleitoral ao Planalto. Isso porque o governo Lula, desde suas outras edições, é criticado na condução nessa temática. Agora, como o petista tem se pronunciado como candidato à reeleição, seus opositores se aproveitam dos desafios no enfrentamento do crime organizado, do poder das facções e da criminalidade cotidiana para obtenção de vantagens eleitorais. Diante disso, é bem provável que a segurança pública seja apresentada como tema nacional e como um fiel da balança eleitoral em 2026.
Em regra, a temática da segurança pública é ideologicamente explorada no mercado eleitoral, sobretudo com os enredos da luta do “bem” contra o “mal”e da dicotomia “cidadãos de bem versus bandidos”. Daí surgem narrativas como a de que o campo progressista é frouxo e defende bandidos, enquanto o conservador tem pulso firme e promove a tolerância zero contra criminosos. Com efeito, messianismos e atributos morais ganham mais destaque do que propostas baseadas em evidências, o que dificulta a análise em profundidade dos desafios da segurança pública no Brasil. Ademais, nesse contexto, os eleitores têm seus temores potencializados e acabam atraídos por soluções simplistas no enfrentamento da criminalidade, como aumento de penas e liberação de armas para os cidadãos.
Note-se que, diferentemente de outros debates públicos, como aqueles sobre saúde e educação, na segurança pública ações pontuais e repressivas podem surtir efeitos num curto prazo, assim reduzindo uma modalidade delituosa e gerando sensação de segurança. Por exemplo, operações policiais midiáticas de combate ao tráfico de drogas com prisões de suspeitos e apreensões de armas e drogas têm forte impacto simbólico perante a população. Certos governantes estaduais perseguem o capital político que a segurança pública pode proporcionar imediatamente, o que nem sempre é alcançado pelos gestores no nível federal. Isso porque, dependendo dos tipos de medidas de segurança pública, os ganhos políticos para governantes estaduais tendem a ser mais concentrados e, para o governo federal, mais difusos.
Destaca-se que questões de violência e criminalidade geralmente são preocupações dos brasileiros. Diante disso, não é novidade que o tema segurança pública ocupe palanques eleitorais. Na proximidade do período eleitoral se multiplicam pesquisas de opinião pública para nutrirem discursos de candidatos e mexerem com o imaginário do eleitorado. Por exemplo, em pesquisa realizada em março de 2025, apurou-se que, para 70% dos entrevistados, a violência e a segurança pública são problemas de âmbito nacional, e que 38% deles avaliam como negativa a atuação do governo federal nessa seara[i]. De outra sorte, pesquisa realizada em janeiro de 2025 apontou que 53,1% dos brasileiros aprovavam a política linha-dura para ações da polícia militar adotada pelo governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas[ii]. Como se sabe, ele é provável candidato ao Planalto alinhado aos espectros da extrema-direita e do bolsonarismo.
No mesmo sentido, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, também presidenciável, apropriou-se da temática de segurança como fulcral na sua agenda eleitoral. Ele defende a intensificação do rigor punitivo como receita de sucesso na redução dos números da criminalidade. Assim, Caiado vem promovendo supostas medidas exitosas na segurança pública de Goiás como referência para país. Em seu perfil nas redes sociais, em 31 de agosto de 2024, certa vez ele expressou: “Em Goiás, bandido aqui não se cria e a economia prospera. Priorizar a segurança pública nos faz avançar em todas as outras áreas”[iii]. Essa linha traçada por Caiado também encontra expressivo suporte popular. Ora, numa pesquisa de fevereiro de 2025 o governo dele tem aprovação de 74% dos cidadãos goianos na área da segurança pública[iv].
As avaliações das gestões Lula, Tarcísio e Caiado sinalizam como será a disputa eleitoral no assunto da segurança pública. É fato. A despeito das distinções de competências entre as esferas federal e estaduais, as mazelas locais da segurança acabam respingando no nível federal, o que é oportunamente explorado por mandatários estaduais de oposição à gestão Lula. Ademais, a oposição se vale do fato de que nos governos petistas de Lula e Dilma a segurança pública foi tema coadjuvante. Uma das comprovações disso é que não investiram numa reforma democrática da arquitetura institucional da segurança pública a fim de confrontar legados autoritários, mesmo após os rastros deixados pela trama golpista do 8 de janeiro, a qual teve apreço de setores conservadores das corporações. Assim, por não proporcionarem detidamente pautas progressistas na segurança pública, as gestões petistas no nível federal deixaram o flanco aberto para o recrudescimento do populismo penal nas agendas estaduais e locais.
Por sua vez, na tentativa de pautar o discurso da segurança pública, o atual governo Lula lançou uma proposta de emenda constitucional (PEC) a fim de atribuir papel mais ativo à União[v]. Trata-se da PEC da Segurança, que possui entre seus objetivos, notadamente: constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), padronizar e articular dados de segurança, fortalecer as atribuições das polícias federais. Como ação mais simbólica e urgente, o governo petista também pretende apresentar projeto para enrijecimento das penas dos crimes de furto e receptação envolvendo aparelho celular[vi]. Apesar da pertinência de tais medidas, elas dependem de trânsito no Congresso Nacional, que é ambiente com visões obtusas sobre a segurança pública e onde o governo Lula tem enfrentado resistências nessa área. As propostas do governo Lula para a segurança tendem a sofrer retaliações e são duvidosas as possibilidades de que rendam dividendos para uma candidatura petista em 2026.
De toda forma, as pesquisas de opinião pública mencionadas não podem ser ignoradas, especialmente pelo pré-candidato Lula ou qualquer outro candidato do campo progressista, pois elas indicam que por trás das cifras há cidadãos insatisfeitos com os rumos da segurança pública. Por isso, uma discussão ampla, democrática e plural sobre segurança pública, em cenário nacional, poderia ser oportunidade para debater um assunto complexo por diversos matizes. Todavia, como o tema é um possível fiel da balança em 2026, o desafio é saber qual modelo de segurança pública estará na disputa eleitoral. Será aquele que apregoa tiro, porrada e bomba? Ou outro que busque o alcance de medidas eficientes baseadas em evidências e com respeito aos direitos humanos?