A alocação da polícia ostensiva por “hotspot” e os contornos da segurança cidadã
A concentração do policiamento nas áreas identificadas por tecnologias, por terem maior incidência de determinados delitos, tem sido citada por estudos internacionais como estratégia preditiva eficaz, se utilizada de maneira correta
Diógenes Wagner Silveira Esteves de Oliveira
1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
No bojo das atividades policiais preventivas e ostensivas e de um modelo de gestão da segurança baseada em evidências, surge a delimitação de pontos sensíveis que conduzem as escolhas para direcionamento do patrulhamento, para eventual prevenção de delitos.
É fato que contribuições empíricas conduzem a um maior planejamento das atividades e esforços a serem dirigidos a um determinado problema. Desse modo, as estatísticas criminais detêm importante papel na análise criminal e podem ser aplicadas no planejamento das atividades policiais. Um dos caminhos para visualizar a aplicação prática das estatísticas na atividade policial se dá por meio da análise dos hotspots ou “zonas quentes”. Há uma inclinação entre os algoritmos do policiamento preditivo e o fundamento criminológico da “criminologia ambiental”.
Nesse sentido, um dos principais pressupostos da criminologia ambiental a respeito do fenômeno criminal é o de que este se concentra no espaço e no tempo. Isto é, uma maior quantidade de crimes tende a ocorrer em uma porção reduzida do espaço, o que inclui desde bairros até quarteirões, ruas, esquinas e endereços individuais, como, por exemplo, determinados tipos de comércio. Esse pressuposto informa a construção de mapas de manchas de calor e a resposta policial a eles.
De forma resumida, baseados na premissa de que os locais de eventos passados são bons preditores de eventos futuros, mapas desta natureza permitem utilizar bases de dados contendo o histórico de crimes de uma dada área para visualizar locais onde há uma maior quantidade de ocorrências criminais dentro do perímetro urbano que consistem em áreas de um mapa com alta incidência de crimes, cuja suposição é a de que o crime ocorre, provavelmente, em local onde já tenha ocorrido.
Para J. Ratcliffe, hotspot mapping consiste no mapeamento de áreas onde a polícia pode ter um impacto significativo sobre a criminalidade, reunindo os campos de pesquisas criminais e de práticas delituosas com a ciência da informação, sobretudo sob uma perspectiva geográfica.
Esse mapeamento geográfico a partir de estatísticas, ocorrências criminais e dados históricos de criminalidade conduz à delimitação de “áreas de maior risco de criminalidade” a serem policiadas, com vistas à prevenção e redução das taxas de criminalidade de maior incidência em determinadas áreas e em suas adjacências.
Estudos internacionais indicam que o policiamento hotspot se mostra da seguinte maneira: está associado a reduções pequenas, mas significativas, da criminalidade em locais onde as atividades criminosas estão mais concentradas. Concentrar os esforços da polícia em locais de alta atividade criminosa, além de focar pontualmente na prevenção de novos delitos, produz benefícios preventivos em áreas adjacentes aos pontos críticos originários. Frise-se que não se trata de deslocar o delito, mas sim da tentativa de mitigá-lo ao ponto de não mais ocorrer naquela determinada “zona quente”.
Assim, a concentração do policiamento nas áreas identificadas por tecnologias, por terem maior incidência de determinados delitos, tem sido citada por estudos internacionais como estratégia preditiva eficaz, se utilizada de maneira correta.
Para Alexander Babuta e Marion Oswald, o uso correto de software de mapeamento preditivo aumenta consistentemente a probabilidade de detecção de futuros eventos criminais, resultando em reduções líquidas nas taxas gerais de criminalidade.
Embora muitas das pesquisas sobre os hotspots sejam estrangeiras, essa realidade não está distante das práticas policiais brasileiras. Prova disso é o fato de que no âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo essa concentração da atividade policial ostensiva em determinadas áreas consistiu em objeto de pesquisa sobre roubos de veículos na Região Metropolitana do estado de São Paulo. Por meio de pesquisa empírica baseada em ocorrências de roubos de veículos na região metropolitana e a aplicação de técnicas específicas, Marco Antonio da Silva Rodrigues defende que há pontos críticos de maior risco de ocorrência do delito e que enfocar nos hotspots consiste em um meio para a mitigação dos roubos de veículo em São Paulo.
É importante analisar o uso correto de um aparato tecnológico e preditivo no campo da segurança pública, bem como avaliá-los como “mais eficazes”, pois isso implica necessariamente compatibilização das tecnologias empregadas com a cidadania.
A atividade policial pautada no uso de estatísticas e no manuseio de dados não pode estar dissociada dos contornos demandados pelos direitos fundamentais, de modo que, se por um lado os hotspots constituem tendência mundial – da qual o Brasil não foge à regra –, por outro, a arquitetura institucional da segurança no país deve estar atenta a uma base jurídica e prática que respeite e resguarde efetivamente os valores cidadãos, desafio perene no campo tecnológico.
A crise na prevenção pelas forças policiais inseridas no modelo tradicional de segurança impulsionou nas democracias consolidadas um novo conjunto de análises na segurança pública, a partir da realização de avaliações sobre o impacto de diferentes métodos de prevenção à violência, marcando o início da “revolução das evidências na segurança pública”.
O exercício do policiamento ostensivo, pela proximidade com a sociedade inerente a ele, é o responsável pela viabilidade de um agir pautado na segurança cidadã e na construção de um significado de ordem pública que esteja alinhado com os postulados cidadãos basilares que conformam o estado de direito, a partir das premissas constitucionais. Nesse sentido, a ordem pública não é sinônimo do uso da coerção ilimitada, sob o pretexto de dissuadir delitos.
O presente texto se trata de um recorte da tese de doutorado: “Polícia ostensiva e tecnologia sob a perspectiva da segurança cidadã”. As citações completas e o texto original podem ser consultados no link: https://dspace.mackenzie.br/items/b7793c95-59f9-4da2-86bf-e5cdbcccfedc