18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela queda de 3,4% na taxa de mortes violentas intencionais (MVI); patamar de violência no país ainda é um dos maiores do mundo
Publicação traz como destaques ranking com as 10 cidades brasileiras mais violentas, uma análise especial sobre roubos e furtos de celulares e o crescimento de todas as modalidades de violências contra as mulheres
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
As Mortes Violentas Intencionais (MVI) apresentaram, em 2023, queda de 3,4%, tendo como base de comparação 2022. Esse é um dos apontamentos que fazem parte da 18ª do Anuário Brasileiro de Segurança. O índice, criado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e principal indicador para aferição de níveis de violência do Brasil, agrega vítimas de homicídio doloso (incluindo feminicídios), de roubos seguidos de morte (latrocínios), de lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.
Em que pese a queda, o número absoluto de 46.328 MVI em 2023 e a taxa de 22,8 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes revelam um país bastante violento. Em termos globais, a taxa de MVI no país é quase quatro vezes maior do que a taxa mundial de homicídios, que, segundo dados das Nações Unidas (UNODC[1]) é de 5,8 mortes por 100 mil habitantes. “No Brasil vivem aproximadamente 3% da população mundial, mas o país, sozinho, responde por cerca de 10% de todos os homicídios cometidos no planeta”, diz Renato Sergio de Lima, presidente do FBSP. “Isso significa que os níveis de violência letal no Brasil estão longe de serem considerados adequados e/ou condizentes com padrões mínimos de desenvolvimento humano e social”, completa.
A 18ª edição do Anuário traz também um ranking formado pelas dez cidades mais violentas do país, lista liderada pelo município de Santana, no Amapá, com 92,9 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, e que tem porto fluvial específico para navios cargueiros de bandeira internacional. O ranking segue com: Camaçari (BA), com 90,6; Jequié (BA), com 84,4; Sorriso (MT), com 77,7; Simões Filho (BA), com 75,9; Feira de Santana (BA), com 74,5; Juazeiro (BA), com 74,4; Maranguape (CE), com 74,2; Macapá (AP), com 71,3; e Eunápolis (BA), com 70,4. Seis dessas municipalidades estão no estado da Bahia.
Quando se volta o foco para números regionais, verifica-se que as maiores taxas por 100 mil habitantes pertencem ao Amapá (69,9 MVI), Bahia (46,5 MVI) e Pernambuco (40,2 MVI). As menores são as de São Paulo (7,8 MVI), Santa Catarina (8,9 MVI) e Distrito Federal (11,1 MVI). “Os dados subnacionais mostram que a queda da violência letal no Brasil é desigual e heterogênea, o que tem relação com a questão demográfica, com políticas públicas de segurança implementadas localmente e com as desigualdades sociais entre as diferentes regiões”, explica Renato Sérgio de Lima.
As regiões Nordeste e Norte continuam liderando o ranking de regiões mais violentas do país. No Nordeste, a taxa de MVI é 60% superior à média nacional; na região Norte, 48,8% mais elevada. “Nessas duas regiões estão localizados os estados que estão convivendo com um quadro acentuado de disputas entre facções de base prisional por rotas e territórios e, ao mesmo tempo, concentram a maioria dos estados com altas taxas de letalidade policial”, explica o presidente do FBSP. Foram 6.393 mortes por intervenções policiais, em 2023, de acordo com o Anuário, e uma taxa de 3,1 por 100 mil habitantes. O crescimento desses números desde 2013 chama a atenção: 188,9%.
Como se vem demonstrando em outras edições, as vítimas de intervenções policiais que resultaram em morte foram predominantemente os negros (pretos e pardos). Essa parcela da população compõe 82,7% desse conjunto de vitimados. A taxa de mortalidade dos negros, quando comparada à dos brancos, é substancialmente maior: 3,5 de pessoas negras contra 0,9 de pessoas brancas. Vendo-se com outra conta: o risco relativo de um negro morrer em uma intervenção policial é 3,8 vezes superior ao de um branco.
O Anuário traz também um top-5 das cidades com maiores taxas de letalidade policial. Jequié (BA) lidera, com 46,6 mortes por 100 mil habitantes, seguida por Angra dos Reis (RJ), com 42,4; Macapá (AP), com 29,1; Eunápolis (BA), com 29,0; e Itabaiana (SE), com 28,0.
A partir da análise dos microdados dos boletins de ocorrência, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública calculou a proporção da letalidade policial no total das MVIs desses municípios, e produziu dados inéditos, que exigem reflexão. Em Angra dos Reis, 63,4% dessas mortes foram provocadas pelas forças policiais. Em Itabaiana, mais da metade das MVI (63%) se deve à ação de policiais, assim como em Jequié (55,2%) e Lagarto (54,3%).
ESTELIONATOS E CELULARES – TRANSFORMAÇÃO NOS PADRÕES CRIMINAIS
Os roubos de rua cederam lugar a estelionatos quando se observa o quadro de preferências criminais contemporâneas. Houve no País um total de 1.965.353 registros de estelionatos no ano passado – o Anuário 2024 mostra que ocorre um golpe a cada 16 segundos. O crescimento, em relação a 2022, foi de 8,2%. Observa-se também um número explosivo quando se fixa como parâmetro inicial o ano de 2018: crescimento de 360%, medido até o ano passado. Por outro lado, é de se notar a queda de uma série de seis diferentes modalidades de roubos: a estabelecimentos comerciais (18,8%); a residências (17,3%); a transeuntes (13,8%); de cargas (13,2%); de veículos (12,4%); e de celulares (10,1%).
A 18ª edição do Anuário revela uma inversão inédita das modalidades de subtração de celulares no Brasil. Pela primeira vez, o número de furtos superou o de roubos de aparelhos, com 494.295 contra 442.999 casos, respectivamente, ao longo de 2023. No total, foram 937.294 ocorrências de roubo e furto de celular registradas em delegacias por todo o país, quase 2 celulares subtraídos por minuto. Ou seja: a se julgar pelos números oficiais, o País ficou muito perto da marca de 1 milhão de telefones celulares furtados ou roubados, que acabam por alimentar a economia do crime no Brasil.
A marca mais visada pelos criminosos, olhando-se para os números absolutos, foi a Samsung, com 37,4% dos casos, seguida pela Apple, com 25%, e pela Motorola, com 23,1%. Embora respondam por apenas 10% do mercado nacional, os iPhones representam uma em cada quatro subtrações de aparelhos (na soma de roubos e furtos). Quando se atenta a proporções, é possível dizer que os usuários da Apple correm mais riscos na comparação com aqueles que utilizam telefones de outras marcas.
Em relação a 2022, os números de roubos e furtos de celulares, em termos globais, apresentaram redução de 4,7%, em 2023. O número de quase 1 milhão de ocorrências registradas, por outro lado, sublinha a centralidade que tais aparelhos ocupam na nova dinâmica dos crimes patrimoniais. Os celulares se consolidam como porta de entrada frequente para outras modalidades delituosas em ascensão, como estelionatos e golpes virtuais.
A edição 2024 do Anuário constatou também que, no caso dos roubos de celulares, os criminosos optam por vias públicas, local de 78% das ocorrências. Os casos são mais frequentes em dias de semana, em especial entre segundas e sextas-feiras, com prevalência entre 5h e 7h da manhã e o período entre 18h e 22h – horários em que, geralmente, a população está em deslocamento nas grandes metrópoles, indo ao trabalho ou voltando para casa.
No caso dos furtos, as vias públicas responderam por 44% dos registros, seguidas dos estabelecimentos comerciais/financeiros e residências, com 14% e 13% das ocorrências, respectivamente. Ao contrário dos roubos, os furtos de celulares são mais comuns nos finais de semana, que concentram 35% dos casos. Nessa categoria, os criminosos escolhem horários com movimento reduzido nas cidades, principalmente entre 10h e 11h e a partir do meio da tarde, por volta das 15h, até 20h.
O Anuário traz também um ranking das maiores taxas de roubo/furto de celular (por 100 mil). O olhar está voltado apenas a municípios com mais de 100 mil habitantes, para que se evitem distorções. Manaus/AM lidera (2.096,3), seguida por Teresina/PI (1866), São Paulo/SP (1781,6), Salvador/BA (1716,6) e Lauro de Freitas/BA (1695,8), situada na Grande Salvador. A taxa do Brasil é de 461,5 ocorrências registradas para cada 100 mil habitantes. Entre as 50 cidades com maiores taxas de roubo e de furto de celular, 15 estão localizadas no estado de São Paulo.
VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES
Todas as modalidades de violência contra mulheres registraram crescimento. Os crimes de stalking tiveram 77.083 registros, em 2023. “Esse dado é especialmente relevante por ser crime preditor de outras violências, como o feminicídio”, explica Samira Bueno, diretora executiva do FBSP. “E esse crescimento, de 34,5%, não tem influência ainda do fenômeno Bebê Rena, uma das mais populares séries de streaming, que deve resultar no aumento dos registros e tende a levar a um aumento das notificações em 2024”, completa a diretora executiva.
O crescimento do registro de crimes de importunação sexual é ainda mais elevado: 48,7%. Em números absolutos, 41.371 ocorrências. O crescimento do registro do crime de assédio sexual foi de 28,5%, perfazendo um total de 8.135 casos. Tentativas de homicídio cresceram 9,2%, com um total de 8.372 vítimas. A violência psicológica aumentou em 33,8%. Houve 38.507 desses registros. Alta também das agressões decorrentes de violência doméstica, da ordem de 9,8%, com 258.941 registros. O número 190 foi acionado 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica. No que se refere a ameaças, crescimento de 16,5% no número de casos – 778.921 em números absolutos. As medidas protetivas de urgência (MPU) ultrapassaram a barreira do meio milhão: houve concessão de 540.255 delas. A Justiça acatou mais de 8 a cada dez pedidos: 81,4%.
Os feminicídios continuam crescendo. De 2022 para 2023, alta de 0,8%. No total, 1.467 vítimas. Nesse universo, registra-se que 63,6% das vítimas são negras. A faixa etária que se estende dos 18 aos 44 anos corresponde a 71,1% dos casos. Mais da metade das mortes ocorre na residência – 64,3%. Entre as que morreram, 63% foram vítimas do parceiro íntimo; o ex-parceiro é o autor do crime em 21,2% dos casos. Nove em cada dez autores de assassinatos de mulheres são homens.
Estupros
Os números de estupros e estupros de vulneráveis cresceram 6,5% em relação a 2022, estabelecendo novo recorde. No total, foram 83.988 casos registrados em 2023, o equivalente a um crime de estupro a cada seis minutos, segundo os registros policiais. Esse dado é ainda mais alarmante quando se avalia a evolução do número de vítimas ao longo da série histórica iniciada em 2011, quando foram registradas cerca de 43.869 mil ocorrências de estupro e estupro de vulnerável no Brasil. Isso significa aumento de 91,5%, uma ascensão quase ininterrupta ao longo de 13 anos.
De todas as ocorrências verificadas em 2023, 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.
A taxa média nacional de estupros e estupros de vulnerável foi de 41,4 por 100 mil habitantes. Os estados com as maiores taxas isoladas foram Roraima, com 112,5 por 100 mil; Rondônia, com 107,8 por 100 mil; Acre, com 106,9 por 100 mil; Mato Grosso do Sul, com 94,4 por 100 mil; e Amapá, com 91,7 por 100 mil. Em relação aos municípios, cujas taxas por 100 mil habitantes o Anuário analisou pela primeira vez nesta edição, Sorriso (MT) lidera a lista, com 113,9, seguido por Porto Velho (RO), com 113,6, Boa Vista (RR), com 101,5, Itaituba (PA), com 100,6, e Dourados (MS), com 98,6.
O perfil das vítimas não mudou significativamente em relação aos anos anteriores: são meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%). Também não houve variações na autoria e no local do crime: 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%). As vítimas de até 17 anos compõem 77,6% de todos os registros.
Chama a atenção a prevalência de estupros de crianças e adolescente na faixa de 10 a 13 anos, com 233,9 casos para cada 100 mil habitantes nesse grupo etário, uma taxa quase seis vezes superior à média nacional, de 41,4 por 100 mil. No caso de bebês e crianças de 0 a 4 anos, a taxa de vitimização por estupro chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes, 1,6 vez superior à média no país.
A maioria dessas vítimas é do sexo feminino, com taxa de 67,6 por 100 mil mulheres, seis vezes superior à média entre homens. Há, no entanto, uma particularidade a ser levada em consideração: entre os meninos, a maior incidência de estupros ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade, caindo drasticamente à medida que se aproxima a vida adulta.
FINANCIAMENTO DA SEGURANÇA
O Brasil investiu R$ 137,9 bilhões em segurança pública em 2023. O crescimento em relação ao ano anterior foi de 4,9%. Entre os entes federativos, vem ocorrendo uma maior participação dos municípios, com aumento de 13,2% nas despesas neste período. Isso ocorre devido aos gastos com as Guardas Civis Municipais (GCM) e as chamadas “operações delegadas”, que são uma espécie de “bico legalizado”, por meio do qual policiais militares e os próprios guardas municipais prestam serviço em seus horários de folga às municipalidades. Em outro recorte, com um período mais alongado, de 2011 a 2023, é possível ter uma noção melhor do crescimento da importância do investimento dos cofres municipais: aumento de 89,65%, de R$ 5,7 bilhões para R$ 10,9 bilhões.
O crescimento dos outros entes federativos, de 2022 para 2023, foi mais modesto: o da União subiu 8,7%; o das Unidades da Federação (estados e Distrito Federal), 3,6%.
Entre os Fundos do Ministério da Justiça para financiamento das políticas da área verifica-se tendências distintas: entre 2017 e 2023 as despesas do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) caíram 48,6%. Em concomitância, o Fundo Nacional de Segurança Pública vem crescendo ano a ano graças ao reforço proveniente de parcela da arrecadação das loterias; entre 2017 e 2023, cresceu 140,8%, com os recursos, da ordem de R$ 900 milhões, passando para R$ 2 bilhões no último ano.
Outros tópicos
A publicação de 2024 traz ainda dados e informações sobre apreensões de drogas pela Polícia Federal. O volume de apreensões de cocaína e insumos cresceu 73,7% entre 2013 e 2023. Já o de maconha e seus insumos apresenta aumento de 87,1% no mesmo período.
O Anuário também traz dados sobre o sistema prisional. Em 2023, havia, no Brasil, um total de 852.010 pessoas encarceradas. O crescimento do número de presos, de 2022 até 2023, foi de 2,4%. Existem 208.882 presos provisórios – um em cada quatro presos não foi julgado ainda.
Foram contabilizados 2.088.048 registros ativos de posse de armas no Sinarm, da Polícia Federal. O crescimento desde 2017 é da ordem de 227,3%. No Brasil, encontra-se com registro expirado mais de 1,7 milhão de armas.
Os dados sobre o setor de segurança privada no Brasil mostram expansão em 2023, com aumento de 9,3% do número de vigilantes regulares, um total de 530.194 profissionais. O número de empresas autorizadas a atuar na área teve crescimento de 3,6%, chegando a 4.978. A forma como esse mercado funciona, no entanto, tem apresentado modificações. Com o crescimento das transações eletrônicas como o PIX, reduziu-se a necessidade de transporte de dinheiro em espécie, o que resultou na queda de 7,9% do número de carros fortes e de 11% nos veículos leves para transporte de valores entre 2021 e 2024.
A equipe do FBSP empreendeu também um esforço adicional para pesquisar dados sobre crimes de ódio. Há registros de 11.610 casos de crime de racismo – crescimento de 77,9% em relação a 2022. Por outro lado, o número de crimes de injúria racial apresenta queda de 14% – houve 13.897 casos em 2023. Já o volume de crimes de racismo por homofobia ou transfobia cresceu bastante: 87,9% entre 2022 e 2023, totalizando 2.090 casos.
[1] Dados disponibilizados pelo UNODC: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/gsh/2023/Global_study_on_homicide_2023_web.pdf.