A cor da questão 29/05/2024

As vítimas eram todas negras: raça e letalidade policial nos municípios brasileiros

Em 448 (40%) dos municípios brasileiros nos quais houve ao menos uma Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP), todas as vítimas eram negras

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Dennis Pacheco

Mestrando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC, membro do Grupo de Pesquisas em Segurança, Violência e Justiça (SEVIJU-UFABC) e pesquisador da Equipe Técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A violência policial tem cor, endereço, idade e renda definidos. Ainda que seja uma realidade bastante conhecida de pesquisadores e da parte da população que conforma a chamada “clientela” das polícias, sua aceitação ainda ocupa um lugar de ambiguidade no imaginário coletivo, sendo recebida constantemente pela negação plausível do racismo imposta pela democracia racial.

No início deste ano, o FBSP realizou, a pedido do Alma Preta Jornalismo, uma seleção de dados referentes aos municípios em que somente pessoas negras haviam sido mortas pela polícia no ano de 2022.

Do total de 5.570 municípios brasileiros, 1.117 (20%) registraram algum caso de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) em 2022. Desses, 771 (69%) tiveram pelo menos uma vítima negra.

Em 448 (40%) dos municípios em que houve MDIP, todas as vítimas eram negras, ao passo que em somente 189 (17%) deles, não houve nenhuma vítima negra.

Os dados traçam um desenho bastante claro do estado racializado da vulnerabilidade à violência policial em sua expressão mais extrema. O problema é, contudo, ainda maior. Olhando para séries históricas, notamos um aprofundamento da desigualdade racial no acesso ao direito à Segurança Pública. Atlas da Violência e Anuário Brasileiro de Segurança Pública já destacavam incremento da violência contra negros mediante reduções da violência contra brancos no Brasil para os indicadores monitorados por cada publicação.

Recentemente, o FBSP colaborou com o Ministério da Igualdade Racial criando o Indicador de Risco Relativo de Mortalidade Juvenil Violenta, que demonstrou que jovens negros são significativamente mais vulneráveis que os jovens brancos à violência letal no país, tendo sido também menos afetados pelas reduções das taxas de homicídio que ocorreram no período entre 2017 e 2021.

Historicamente, homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte têm sido menos seletivos no Brasil que mortes decorrentes de intervenções policiais. O indicador mais afetado pelo racismo é justamente o de responsabilidade de agentes do Estado. Não é coincidência.

Mudar esse cenário demanda investimento em políticas públicas focalizadas e isso parece ter sido notado. O Plano Juventude Negra Viva (PJNV) do Ministério da Igualdade Racial é herdeiro do Plano Juventude Viva (PJV), e sua mudança de nome é indicativo da mudança de escopo de sua atualização. A participação do FBSP na implementação dos dois planos também incorporou mudanças no sentido de focalização em populações negras vulneráveis, tendo passado do desenvolvimento do Índice de Vulnerabilidade Juvenil ao desenvolvimento do Índice de Risco Relativo à Violência Juvenil, que acrescenta ao primeiro indicador sintético, uma dimensão comparativa entre negros e brancos.

Estamos ainda nas etapas iniciais de reconstrução da lógica de operação das políticas públicas no Brasil, e as políticas públicas antirracistas de que precisamos demandam que continuemos descortinando a ineficácia de políticas universalistas. Nosso sucesso neste processo depende tanto do ciclo de produção, sistematização e análise de dados quanto da eficaz comunicação dos resultados de políticas orientadas pelas evidências provenientes de tal ciclo à sociedade.

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