‘É fundamental que haja uma reestruturação da PF para que a nova política de controle de armas possa ser efetiva’
Cristiano Campidelli, Delegado da Polícia Federal e Coordenador-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Diretoria de Polícia Administrativa, fala ao Fonte Segura sobre o esforço da instituição para se adequar às novas regras de controle das armas no Brasil
David Marques
Coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Amanda Lagreca
Pesquisadora no Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Thaís Carvalho
Pesquisadora no Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Roberto Uchôa
Policial federal e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Em entrevista ao Fonte Segura, o delegado da Polícia Federal Cristiano Campidelli comenta o impacto do decreto 11.615/2023, que prevê o controle responsável do uso de armas no país, sobre o trabalho da corporação nos próximos anos. Coordenador-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Diretoria de Polícia Administrativa, ele fala sobre o início de uma restruturação interna para absorver a demanda de trabalho motivada pela migração das atividades de controle e fiscalização dos armamentos do Exército para a PF. Campidelli destacou também que houve um aumento do número de pessoas que deixaram de renovar seus CRAFs após jurisprudência apontar que posse de arma de fogo com registro vencido não constitui crime. Leia abaixo a entrevista concedida aos pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Fonte Segura – Em 2023, o Brasil entrou em um novo momento de sua política de controle de armas de fogo. Com a migração das responsabilidades sobre o controle e fiscalização de armamento dos CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores), além de entidades de tiro desportivo e lojas, do Exército para a Polícia Federal, há uma estimativa de aumento significativo na demanda de trabalho para a PF. Como a instituição se prepara para estar à altura do volume de trabalho exigido a partir dessa transição?
R: Não há dúvida de que a migração da competência prevista no art. 6º do Decreto n. 11.615/2023 gerará um aumento bastante significativo do serviço na Polícia Federal (PF). Com o objetivo de fazer frente à demanda que se avizinha e visando prestar um serviço de excelência ao novo público, foram realizadas reuniões com representantes da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do Exército Brasileiro (EB) e do Ministério da Defesa (MD), a fim de se estabelecer um prazo de transição suficiente à preparação da PF, restando definido o dia 1º de janeiro de 2025 como aquele em que a PF assumirá a nova competência. Além disso, a PF iniciou os processos administrativos próprios para reestruturação de suas áreas técnicas e contratação de pessoal. Por outro lado, estão sendo realizados trabalhos visando à formalização de normas que regulamentarão, no âmbito da PF, o controle e a fiscalização da nova competência, bem como a construção de um novo sistema adequado às novas categorias.
Fonte Segura – A existência de dois sistemas de gestão sobre armamento civil – Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA) e Sistema Nacional de Armas (SINARM) – com integração quase inexistente entre si, tem sido debate importante no campo da segurança pública. Quais são as possibilidades de integração e/ou interoperabilidade entre esses sistemas a partir das normativas publicadas pelo governo federal em julho deste ano?
R: Com a migração da competência prevista no art. 6º do Decreto n. 11.615/2023, somente as armas das Forças Armadas, das Forças Auxiliares e do Gabinete de Segurança Institucional, bem como dos seus integrantes, permanecerão no SIGMA, devendo todas as demais serem registradas no SINARM, o que resolverá em grande parte a questão do controle integrado, na medida em que todo o armamento civil será controlado e fiscalizado pela PF. Além disso, já há interoperabilidade entre os sistemas SIGMA e SINARM, o que permite a pesquisa recíproca.
Fonte Segura – Qual sua avaliação sobre o recadastramento de armas na Polícia Federal (PF/RECAD) que ocorreu entre janeiro e maio de 2023? Há algum projeto para fiscalização e/ou investigação mais ativa das armas que não foram recadastradas?
R: O PF RECAD atingiu sua finalidade, na medida em que houve um percentual muito elevado de armas recadastradas. Após o decurso do prazo do recadastramento, a PF encaminhou ao EB a relação de armas recadastradas e não recadastradas. Contudo, o Decreto atual não trouxe nenhuma consequência jurídica para quem não fez o recadastramento. Assim, os Certificados de Registro de Arma de Fogo (CRAF) respectivos seguem válidos, até o término do prazo de validade, que passou a ser de três anos. Isso, contudo, não impede que, a partir da assunção da competência prevista no art. 6º do Decreto n. 11.615/2023, a PF adote medidas administrativas no sentido de fiscalizar os acervos dos CACs que não efetuaram o recadastramento. Até lá, eventuais medidas administrativas seguem sendo de competência do EB.
Fonte Segura – Quais são as perspectivas da PF para a fiscalização dos mais de 1,5 milhão de registros de armas de fogo vencidos no SINARM até 2022?
R: Infelizmente, após a sedimentação da jurisprudência no sentido de que a posse de arma de fogo com registro vencido não constitui crime, houve um aumento significativo do número de pessoas que deixaram de requerer a renovação dos seus CRAFs. O Decreto n. 11.615/2023 determina a notificação, por meio eletrônico, do proprietário de arma de fogo com registro vencido para que ele, no prazo de 60 dias, providencie a renovação do registro, a transferência para outra pessoa que preencha os requisitos para adquirir a arma ou a entrega na campanha do desarmamento. Ocorre que, em sua maioria, os cadastros dos proprietários de armas, por terem sido feitos há mais de cinco anos e muitas vezes por terceiros, não apresentam o e-mail correto do titular. Assim, será preciso, primeiramente, criar uma solução tecnológica, inclusive por meio de parceria com outros órgãos, para, de forma automatizada, fazer o cruzamento de informações que permitam identificar os e-mails dos proprietários de armas de fogo com registro vencido e, assim, encaminhar as respectivas notificações. Quanto aos casos em que não for possível fazer esse procedimento de forma automatizada, será preciso buscar alternativas viáveis para tanto.
Por fim, é importante lembrar que, uma vez notificados e não providenciando a renovação, transferência ou entrega da arma de fogo na campanha do desarmamento, será aberto o processo de cassação.
Fonte Segura – É possível fazer um balanço dos impactos, tanto no mercado legal quanto no mercado ilegal, de 6 anos de flexibilização nas regras de acesso a armamento por parte de civis no Brasil?
R: É possível afirmar que houve um aumento exponencial no número de armas de fogo nas mãos de civis, em especial dos CACs. Além disso, houve a identificação de esquemas fraudulentos que, burlando os controles da administração e aproveitando as facilidades normativas, permitiram a aquisição de armamentos por pessoas que não preenchiam os requisitos legais, não se submetiam de fato aos exames devidos ou até mesmo eram criminosas, conforme apurado em diversas operações policiais.
Fonte Segura – Em sua opinião, quais devem ser as prioridades do país para garantir uma política e estrutura de controle responsáveis com relação ao armamento civil?
R: Penso que o Decreto n. 11.615/2023 trouxe importantes avanços para o controle responsável das armas de fogo no Brasil. Contudo, para a efetividade da nova política estabelecida é fundamental que haja a imprescindível reestruturação da PF.