Aiala Colares Oliveira Couto
Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Possui especialização em Planejamento Urbano pelo Curso de Formação Internacional de Pós-Graduados em Áreas Amazônicas (FIPAM). Mestre em Planejamento do desenvolvimento pelo Núcleo de Altos estudos Amazônicos (NAEA). Doutor em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Únido (PPFDSTU-NAEA-UFPA). Pesquisador Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A conexão entre diversas modalidades de ilícitos e a crescente presença de facções criminosas distribuídas espacialmente pelos estados e municípios da Amazônia são sem dúvidas um dos maiores desafios à segurança regional. Dois pontos são destacados no relatório de pesquisa do projeto Cartografias da violência (2022), desenvolvido pelo FBSP: 1) a presença de facções criminosas do Sudeste e surgimento de facções locais; 2) a conexão do narcotráfico com os crimes ambientais, com grande destaque para o garimpo ilegal em territórios indígenas.
As pesquisas de campo deram condições para destacar alguns apontamentos como: a) a relação entre as rotas do narcotráfico e as rotas do contrabando de madeira e minérios; b) o papel do porto de Vila do Conde em Barcarena no Pará como importante nexo de conexão da Amazônia com a Europa com destaque para o Porto da Bélgica; c) e, finalmente, a presença de pichações do CV e PCC nas capitais dos estados da Amazônia legal e em territórios quilombolas no Pará e nas regiões de extração de ouro que enfatizam a territorialização desses grupos na região.
Assim, percebe-se a interação das zonas de garimpo ilegal em Roraima com a Guiana e a Venezuela, por aí também se tem uma conexão com as redes do narcotráfico que saem da Colômbia em direção ao Suriname. No Pará, os fluxos resultantes do garimpo ilegal sobrepõem rotas utilizadas pelo narcotráfico na Transamazônica (BR-230) e Cuiabá-Santarém (BR-163), mas também as pistas de pouso de aeronaves de pequeno porte compõem essa estrutura. Por fim, Barcarena, também no Pará, dinamiza um fluxo que vai em direção à Guiana Francesa e ao Suriname.
Ressalta-se que os últimos quatro anos foram de fragilidade institucional promovida pelo governo federal, que contribuiu para a precarização das ações de fiscalização e de regularização fundiária de órgãos federais, como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBIO) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), todos aparelhados pelo Estado. Esses órgãos tiveram dificuldades em enfrentar o avanço dos crimes ambientais e a invasão das terras indígenas.
Seria impossível o crime organizado não perceber o quanto seria vantajosa a conexão entre o narcotráfico e as práticas de crimes contra a natureza que envolvem as ações de desmatamento, seja para o contrabando de madeira, seja para a abertura de novas áreas de garimpo em áreas de proteção.
O Estado institucionalizou uma economia de morte, ou seja, incentivou a intensificação de modelos econômicos predatórios sobre a natureza que atingiram violentamente territórios dos povos tradicionais, elevando índices de desmatamento e queimadas causando perdas irreparáveis à floresta. A terra enquanto mercadoria e floresta enquanto fonte de recursos a ser explorada para fins de acumulação por espoliação.
Temos assim o surgimento de zonas de sacrifício nas áreas de expansão da fronteira econômica do minério, onde garimpeiros compactuados com o Estado impuseram uma lógica de destruição com elevados níveis de contaminação dos rios pelo mercúrio, práticas agressivas à natureza com diminuição da biodiversidade, impactando a pesca artesanal e o extrativismo tão importantes para a sobrevivência dos povos originários, sobretudo no estado de Roraima, onde indígenas Yanomamis encontram-se em situação de crise humanitária devido à insegurança alimentar e doenças potencializadas pelo garimpo ilegal.
Os crimes conexos promoveram não apenas problemas de ordem ecológico-ambiental; são responsáveis por terem potencializado verdadeiros desastres sociais através da contaminação de rios e dos recursos pesqueiros, impactando a saúde das populações indígenas e ribeirinhas e causando insegurança alimentar. Dessa maneira, tem aumentando a violência em regiões de extração do ouro, que avançam sobre as reservas indígenas e áreas de proteção ambiental.
Todavia, com a mudança de governo no Brasil, o país retoma os debates da agenda ambiental com destaque para a Amazônia. Nesse cenário político de crise ambiental, a segurança climática torna-se a principal meta que o mundo deve alcançar com base na redução de emissão de gás estufa e modelos de desenvolvimento sustentável.
A pouca presença do Estado é responsável em grande medida pelo fortalecimento de atividades criminosas na fronteira e isso serve tanto para o lado brasileiro quanto para o lado boliviano, colombiano e peruano etc. O Estado, ao negligenciar a necessidade de ações mais efetivas no âmbito das políticas públicas, empurra sua população para uma integração perversa e possibilita o avanço das redes criminosas.
A cooperação internacional entre os países da Panamazônia é um formato de solução de problemas comuns, mas respeitando as suas especificidades de forma a fortalecer os Estados, que devem trilhar não somente pela segurança pública como um modelo de guerra às drogas, como aconteceu na Colômbia e no Peru, mas os Estados devem zelar por projetos de desenvolvimento sustentáveis com inclusão social, geração de emprego e renda com base nos serviços florestais, redução das desigualdades de acesso à saúde, educação e moradia, saneamento básico e segurança alimentar.
Finalmente, observa-se que a relação entre crime organizado e crimes ambientais dá certa complexidade ao tema da segurança regional, ainda mais quando se trata de interações transfronteiriças/transnacionais que se dá sobre uma região com particularidades essenciais que se tornam um atrativo para o crime. Por isso, pensar em uma cooperação panamazônica é pensar em enfrentar os desafios da segurança regional e da defesa dos territórios e de seus povos.