Múltiplas Vozes 24/05/2023

Como tem sido planejada a Segurança Pública no Brasil? Análise a partir dos Planos e Programas Nacionais*

As principais conclusões apontam para a descontinuidade na implementação de políticas de segurança pública

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Marlene Inês Spaniol

Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Integrante do GPESC e do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Oficial RR da Brigada Militar/RS

Martim Cabeleira de Moraes Júnior

Mestre em Sociologia-UFRGS, Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Professor da FAMAQUI e Oficial RR da Brigada Militar/RS

Carlos Roberto Guimarães Rodrigues

Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã-UFRGS e Oficial RR da Brigada Militar/RS

O estudo buscou trazer alguns avanços e desafios no campo da segurança pública e fazer uma análise das proposições constantes em todos os planos e programas nacionais de segurança pública implantados após o advento da atual Constituição Federal.

Foram apresentados 8 (oito) planos e programas de segurança pública, desenvolvidos e implantados nacionalmente, produzidos pelo Poder Executivo Federal, a partir do período de redemocratização no Brasil, sendo que os planos estaduais e municipais decorrentes seguiram nas mesmas direções apontadas pela União, muito embora adaptados aos orçamentos e governos respectivos e, não raras vezes,  dependendo de aporte financeiro federal.

1. O Plano Nacional de Segurança Pública de 1991: Foi editado pelo Ministério da Justiça (MJ) através da Secretaria de Polícia Federal, Departamento de Assuntos de Segurança Pública, durante o governo Collor, sendo o primeiro plano apresentado após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um documento pouco conhecido que teve uma circulação muito restrita, sem informações sobre os desdobramentos pós-entrada em vigor e nem como se deu o processo de construção e elaboração, que não apresentou dados empíricos e nem estudos prévios.

2. O Plano Nacional de Segurança Pública de 2000: Editado pelo MJ, durante o segundo governo FHC, foi o primeiro a ser elaborado na vigência da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), criada através do Dec. nº 2.315, de 4/09/1997, em decorrência da reestruturação da antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg). Neste plano foram firmados compromissos de atuação da União com a temática da segurança pública, ações de cooperação com os governos estaduais, assim como medidas de natureza normativa e institucional. Este plano apresentou uma estrutura concisa, demonstrando os compromissos que pretendia cumprir, com as respectivas ações.

3. O Plano Nacional de Segurança Pública de 2003: Produzido e lançado pelo MJ no primeiro governo Lula sob a identificação “Projeto Segurança Pública para o Brasil”, teve como parceiros profissionais e pesquisadores de renome nacional na área. Foi um plano mais elaborado apontando prioridades, diagnóstico e soluções. Tratou de pontos específicos afetos ao tema da segurança pública, tais como: elaboração de políticas de segurança pública; mudanças constitucionais relativas às agências policiais; a persecução penal; a violência de gênero; o acesso à justiça; o sistema penitenciário; o desarmamento e controle de armas de fogo, dentre outros.

4. O Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) de 2007: Nasceu em forma de Medida Provisória, em 2007, no início do segundo governo Lula e logo transformou-se na Lei nº 11.530, de 24/10/2007, que instituiu o Pronasci, a ser executado pela União, por meio da articulação dos órgãos federais, em regime de cooperação com estados, Distrito Federal e municípios, com ampla participação das comunidades mediante programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira e mobilização social, visando à melhoria da segurança pública.

Com o Pronasci surgiu uma nova ideia de articulação entre órgãos de segurança pública em todas as esferas, o que foi considerado um grande avanço, fazendo com que muitos municípios acessassem verbas através de convênios. Porém, uma das maiores críticas à descontinuidade na implantação dos planos e programas de segurança pública está exatamente na extinção do Pronasci, que ocorreu na transição dos governos Lula para Dilma, ou seja, deveria ter sido uma gestão de continuidade nos projetos que vinham dando bons resultados no campo da segurança pública.

5. A Estratégia Nacional de Fronteiras (Enafron) de 2011: Foi instituída através do Dec. Federal nº 7.496, de 8/06/2011, no início do primeiro governo de Dilma, criando um vínculo institucional coordenado pelo MJ/Senasp e o programa da Enafron, assim como todos os projetos a as ações voltadas aos estados-membros da federação da área de fronteira.

A principal motivação ao reestruturar a Enafron foi intensificar o controle e a fiscalização nas fronteiras brasileiras, especialmente a prevenção, o controle e a repressão de delitos transfronteiriços e crimes praticados nas regiões de fronteira. Previu ações integradas de todos os órgãos de segurança, inclusive das Forças Armadas, passando a fazer ações de integração entre a União, os estados e os municípios situados na faixa de fronteira, implementando projetos estruturantes para o fortalecimento da presença estatal nestas regiões e ações de cooperação internacional e de integração com os países vizinhos. Assim como o Pronasci, a Enafron também não se manteve além de uma gestão governamental.

6. O Pacto Nacional de Redução de Homicídios de 2015: Embora não tenha sido lançado formalmente como os demais planos e programas trata-se de um marco importante na tentativa de redução dos índices de homicídios durante o segundo governo Dilma, no qual o MJ reuniu especialistas que elaboraram um plano para redução de homicídios nas 81 cidades mais violentas do país, considerando que estas concentraram 48,5% do total de 46.881 homicídios ocorridos no país em 2014. Levou-se em consideração o fato de que 10% dos homicídios ocorridos no mundo em 2014 foram registrados no Brasil, de acordo com a ONU.

O pacto previu que, com a contribuição de universidades, centros de pesquisa e a participação popular na produção de diagnósticos, fossem desenvolvidas ações sociais e de segurança pública nos municípios com altas taxas criminais. As ações previstas neste pacto, embora urgentes e necessárias, não chegaram a ser implementadas, pois com o impeachment e a consequente saída da presidente, ele foi arquivado.

7. O Plano Nacional de Segurança Pública de 2016/2017: Sob muitas críticas aos rumos da segurança pública no país e das crescentes taxas de criminalidade, no início do governo de Michel Temer, foi elaborado e instituído através da Portaria nº 182, de 22/02/2017, apresentando como ações a capacitação, inteligência e ações conjuntas de todos os órgãos afins à segurança pública e com três objetivos assim delineados: redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher; racionalização e modernização do sistema penitenciário; e combate integrado à criminalidade organizada transnacional.

Pela forma, superficialidade do texto, falta de propostas estruturantes e pelo momento político em que foi apresentado, este plano foi alvo de críticas de muitos segmentos da sociedade civil, de especialistas e pesquisadores da área e, inclusive, dos próprios policiais, não apresentando ações concretas, desmembramentos ou resultados efetivos aos fins a que se propôs.

8. O Plano Nacional de Segurança Pública de 2018/2028: Em 26/02/2018, antecedendo este plano decenal, foi criado o Ministério da Segurança Pública com o objetivo de cuidar nacionalmente desta área e de promover a integração de todas as forças policiais.

Este plano tem duração de dez anos, prevendo  avaliações anuais a partir do segundo ano de vigência com o objetivo de verificar o cumprimento das metas estabelecidas e elaborar recomendações aos gestores e operadores das políticas públicas. Trata-se de um planejamento de grande qualidade técnica e totalmente vinculado aos propósitos do Susp, com propostas a curto e médio prazo, com objetivos e prioridades, com a ressalva de atuação coordenada e integrada entre os órgãos de segurança pública.

Os planos e programas apontam que houve evolução na maneira de se pensar a temática, todavia esses avanços só podem ser observados com a análise dos sucessivos planejamentos e as ações que se efetivaram, os momentos em que foram apresentados e as mudanças que ocorriam na sociedade brasileira quando da sua proposição, sendo que as principais conclusões apontam para a descontinuidade na implementação de políticas de segurança pública.

  • Este texto é um recorte do artigo: “Como tem sido planejada a Segurança Pública No Brasil? Análise dos Planos e Programas Nacionais de Segurança implantados pós-redemocratização, publicado na Revista Brasileira de Segurança Pública, integrando o Dossiê Segurança Pública e Justiça Criminal e disponível em: https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/1035/362

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