Múltiplas Vozes 10/05/2023

Justiça Restaurativa e Justiça Militar: a necessária capacitação dos atores da segurança pública pelo Projeto JR na JMERS

As técnicas e práticas restaurativas na área da segurança pública contribuem diretamente na promoção da paz social na medida em que elas destacam a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas possíveis implicações no futuro das partes envolvidas por esse conflito

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Francine Feldens

Mestra em Ciências Criminais PUCRS. Analista do Poder Judiciário JMERS Facilitadora de Círculos de Construção de Paz. Integrante do GPESC/PUCRS e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

Viviane de Freitas Pereira

Mestra em Integração Latino-americana pela UFSM. Juíza da JMERS. Facilitadora de Círculos de Construção de Paz

O Projeto em Justiça Restaurativa desenvolvido na Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul – JR na JMERS – tem o primordial objetivo de capacitar magistrados, servidores e atores da segurança pública. A Instituição Justiça Militar se alia, desta forma, à expansão da difusão da Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário Estadual podendo contribuir de forma singular na construção da paz social através das capacitações dos policiais e bombeiros militares no uso de práticas restaurativas em ocorrências enfrentadas por estes no seio das comunidades nas quais atuam. Porém, as técnicas e práticas restaurativas também podem ser utilizadas no âmbito administrativo dessas Corporações, para, por exemplo, melhorar o vínculo de equipes e o diálogo entre as pessoas com as quais esses agentes se relacionam dentro e fora dessas Instituições.

De acordo com Leoberto Brancher (2014), a construção da Justiça Restaurativa no Rio Grande do Sul é fruto de um processo histórico, que veio se consolidando na prática e de baixo para cima, para pouco a pouco ganhar institucionalidade. Desde as primeiras experiências, iniciadas em 2002 no Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, até 2012, quando a Lei n. 12.594/2012 dispôs sobre a aplicação de medidas restaurativas no atendimento a adolescentes em conflito com a lei, ou 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça incluiu a Justiça Restaurativa na política nacional de solução de conflitos, um longo caminho vem sendo trilhado.

Atualmente, a Resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça, de 31 de maio de 2016, institui a Política Nacional de Justiça Restaurativa e, por isso, representa um importante marco político-normativo para o fortalecimento de programas de justiça restaurativa em todo o território nacional, estimulando, desta forma, iniciativas que extrapolam as salas de justiça e os serviços judiciais. O ato normativo dispõe sobre a aplicação do procedimento restaurativo que pode ocorrer de forma alternativa ou concorrente com o processo convencional, devendo suas implicações serem consideradas, caso a caso, à luz do correspondente sistema processual e objetivando sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a comunidade.

Ademais, cabe referir que entre os considerandos da Resolução nº 225/2016 do CNJ se encontra a complexidade dos fenômenos conflito e violência que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, devem ser considerados, não só os aspectos relacionais individuais, mas também, os comunitários, institucionais e sociais que contribuem para seu surgimento, estabelecendo-se fluxos e procedimentos que cuidem dessas dimensões e promovam mudanças de paradigmas, bem como provendo-se espaços apropriados e adequados. A mudança de paradigma no cenário da violência policial é um dos principais objetivos do Projeto de JR na JMERS. A reconstrução do tecido social afetado pelo conflito pode ser efetivada através da escuta de ofensores e das vítimas diretas e indiretas entre os agentes da segurança pública e a comunidade onde atuam.

Importa ressaltar que, conforme Josineide Gadelha Pamplona Medeiros (2019), as origens da Justiça Restaurativa remontam a modelos de justiça de base comunitária, fundadas em anseios de maior participação dos atores direta e indiretamente afetados por conflitos e atos danosos, assim como de empoderamento da comunidade no que tange ao tratamento dos conflitos que lhe dizem respeito. Assim, considera-se que as técnicas e práticas restaurativas na área da segurança pública contribuem diretamente na promoção da paz social na medida em que elas destacam a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas possíveis implicações no futuro das partes envolvidas por esse conflito.

Mas o Projeto de JR na JMERS também ocorre no âmbito interno da Justiça Militar Estadual, pois a Justiça Restaurativa apresenta-se com grande potencial transformador das relações internas, mediante a capacitação de servidores e de magistrados para a realização de círculos de construção de paz que proporcionem escuta, diálogo e uma nova perspectiva de enfrentamento dos conflitos relacionais. De outra forma, a Justiça Militar tem atuado como anfitriã e, assim, incentivando a sensibilização do público externo, como os integrantes da Brigada Militar, do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul e da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, para a utilização das práticas restaurativas. A Comissão de JR na JMERS, desde março de 2022, está promovendo palestras de sensibilização em Justiça restaurativa e cursos de formação de facilitadores em círculos de construção de paz em conjunto com o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Sabidamente as causas da violência policial são complexas e merecem especial atenção na construção de novos caminhos para o futuro. Este contexto indica a necessidade de que se proponha a reflexão sobre os possíveis caminhos de construção de paz, modificando-se os paradigmas de atuação violenta, assim como que se encontrem novos métodos de resolução de conflitos, os quais venham, mediante cuidado multidimensional, a considerar os aspectos individuais, relacionais, institucionais e sociais de tal comportamento. Dessa forma, o Projeto de JR na JMERS inicia suas atividades investindo na formação e capacitação em Justiça Restaurativa entre os atores da segurança pública e entre seus magistrados e servidores.

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