A Política hegemônica da Polícia Militar do Estado de São Paulo na segurança pública
A PMESP passou do monopólio do policiamento ostensivo para o monopólio da produção de saber sobre a segurança pública, pautando-a em saberes policiais específicos, cotejados por saberes jurídicos e administrativos
Henrique de Linica dos Santos Macedo
A segurança pública é um tema fundamental em uma democracia e envolve questões como as formas de policiamento, o poder de polícia e o uso da força. Essas questões são construções sociais e políticas que exigem constante revisão, supervisão e transparência, pois são diretamente ligadas à forma como uma sociedade pensa, cria uma ordem, exerce e distribui o poder. Porém, para pensar em segurança pública, é preciso também pensar em política e garantir que a segurança pública seja tratada como um direito de todos, não se limitando apenas à atividade policial e jurídica.
Em fevereiro de 2022, defendi minha tese de doutorado intitulada “A Política da Polícia Militar do Estado de São Paulo: A construção da hegemonia do policiamento ostensivo”[1] pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar[2]. Os resultados estão vinculados às pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC)[3] e do INCT-INEAC[4]. O estudo teve como objetivo compreender como a Polícia Militar do estado de São Paulo, uma tecnologia social, foi criada e transformada nas últimas três décadas, passando de um componente da política de segurança pública a protagonista do campo.
Os dados da pesquisa mostraram que a PMESP obteve sucesso nas disputas institucionais federais e estaduais para consolidar as atribuições que lhe foram concedidas em sua criação durante a ditadura civil-militar em 1969. Durante o período de “distensão”, o governo militar descentralizou o poder de decisão, permitindo que os quadros da própria PM assumissem o comando-geral e reduzindo a influência do Exército sobre ela.
A PMESP passou a se envolver diretamente nas discussões sobre a nova Constituição que estava em debate no Congresso Nacional. A instituição usou diversos recursos para se fazer ouvir, defender sua existência e seu monopólio sobre o policiamento ostensivo. A principal foi a defesa de interesse, grosseiramente chamada de lobby. Medidas institucionais como o acompanhamento in loco de oficiais das sessões deliberativas do grupo de trabalho sobre segurança, a criação do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais (CNCG) e reuniões com figuras políticas chaves foram tomadas para sensibilizá-los sobre suas demandas. Isso permitiu, juntamente com os interesses dos constituintes, que o modelo anterior, que promoveu monopólios institucionais para Polícia Militar e Polícia Civil, fosse subscrito na Constituição Federal de 1988, impedindo que reformas estruturais das instituições e da segurança pública fossem realizadas, mas cabe destacar que houve anuência de políticos progressistas para a manutenção de tal modelo.
A PMESP construiu uma estratégia de fortalecimento institucional e ampliação de poder, tornando-se uma força política capaz de influenciar diretamente as decisões sobre segurança pública no estado de São Paulo e, em certa medida, em âmbito nacional. O papel das Assessorias Policiais Militares, que carecem de mais pesquisa, parece ter auxiliado ao criar pontes com outros poderes, elaborando pareceres, permitindo a veiculação de seus interesses e modo de pensar. Posto que, além de proverem segurança física aos principais tomadores de decisão e aos prédios de diferentes poderes, se tornaram “embaixadas” da instituição neles, provendo assessoria técnica e consultoria sobre o tema.
Aliada ao trabalho institucional, fica evidente que, nas últimas três décadas de governos civis no estado de São Paulo, a maioria dos governadores e secretários de segurança pública optou por utilizar mais a PMESP que a Polícia Civil para responder ao aumento das taxas de violência. Isso por algumas razões: uma maior fidelidade à agenda dos governos, a visibilidade do policiamento ostensivo e os rendimentos midiáticos das ações de “combate ao crime” que a estratégia militarizada produziu como resposta ao crime comum e ao crime organizado. Como consequência, a PMESP passou do monopólio do policiamento ostensivo para o monopólio da produção de saber sobre a segurança pública, pautando-a em saberes policiais específicos, cotejados por saberes jurídicos e administrativos.
As questões que ficam são: Conseguimos produzir controle civil sobre a segurança pública como argumentaram os constituintes? Se produz e executa a política de segurança, sem participação social ampla, ela é mesmo pública e democrática?
[1] Tese disponível no Repositório Institucional da Universidade Federal de São Carlos: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/17504
[2] A pesquisa contou com apoio do CNPq na modalidade bolsa de doutorado.
[3] Está pesquisa partiu de acúmulos de pesquisas realizadas pelo GEVAC, coordenado pela Doutora Jacqueline Sinhoretto,
[4] Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF, coordenado pelo Doutor Roberto Kant de Lima, financiado pelo CNPq.