Ariadne Natal
Doutora em sociologia, pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute de Frankfurt (PRIF)
No dia 2 de abril, o governo de Israel deu início à criação de uma Guarda Nacional sob o comando do Ministro da Segurança Pública, Itamar Ben-Gvir, que é também líder do partido de ultradireita nacionalista Otzma Yehudit.
A Guarda Nacional que se delineia seria composta por cerca de 2.000 civis voluntários selecionados e subordinados ao Ministério da Segurança Pública, financiada pelo governo israelense, com o objetivo de atuar em assuntos relacionados à segurança e soberania nacional, principalmente em áreas onde há tensão com a população palestina. A força pode custar até 1 bilhão de ILS (278 milhões de dólares) e seria financiada por um corte de 1,5% no orçamento dos demais ministérios do país. As condições de funcionamento e os poderes da Guarda Nacional serão discutidos por um comitê que prescreverá recomendações dentro de 90 dias. Posteriormente, a proposta precisa ser aprovada pelo parlamento, no qual a coalização de direita tem a maioria.
A criação da força tem sido duramente criticada por grupos de direitos humanos, que alegam que a Guarda Nacional tem grandes probabilidades de se tornar um grupo paramilitar ideologicamente orientado e fora do controle do Estado, com poder para cometer abusos e violações de direitos. O receio é de que a força leve a uma escalada da violência e do extremismo, alimentando a polarização política e a discriminação contra minorias.
O ministro Itamar Ben-Gvir é conhecido por suas posições contrárias aos palestinos e à esquerda liberal israelense, além de já ter sido condenado por incitação ao ódio e discriminação racial e de possuir laços com grupos extremistas e terroristas de extrema-direita. Ele pretende que essa força seja subordinada diretamente a ele e não seja controlada pelo Comissário de Polícia, nem esteja submetida às mesmas leis e regulamentos que regem a atuação policial. O projeto nasce justamente da frustração de Ben-Gvir com as limitações e mesmo recusa das forças policiais em seguir suas instruções para ações mais duras e violentas.
A criação da Guarda se dá no contexto da tentativa do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de aprovar uma reforma judicial controversa que visava limitar o poder do Judiciário e aumentar o controle político sobre a nomeação de juízes. A reforma foi criticada por suas aspirações autoritárias que colocam em risco a independência do Judiciário, o que gerou uma grande onda de protestos e paralisações em Israel e levou Netanyahu a retirar as propostas de votação. No entanto, a ala mais à direita da coalizão do governo ficou descontente com o recuo e, para evitar perder apoio político, Netanyahu negociou a criação da Guarda Nacional como uma concessão à extrema-direita.
É evidente que tal iniciativa, juntamente com a proposta de reforma do Judiciário, levanta preocupações e oferece uma verdadeira ameaça à democracia israelense. A criação de grupos armados não estatais é, por si só, problemática em qualquer lugar do mundo, mas em Israel, onde a tensão territorial, política e religiosa é alta, o risco de abusos e violações dos direitos humanos é ainda maior. A Guarda Nacional pode levar a uma escalada da violência e do extremismo, alimentando a polarização política e a discriminação contra minorias, pois se trata de uma polícia de governo e não de Estado.
A iniciativa pode minar a autoridade do Estado de Direito e das forças de segurança oficiais, abrindo caminho para a violação de leis e direitos fundamentais e para uma confusão institucional sobre os limites de atuação de cada força. Neste sentido, parecem fundamentados os receios de que a Guarda Nacional possa ser usada para perseguir dissidentes políticos e grupos minoritários, como palestinos, imigrantes e refugiados, em nome da segurança nacional.
Evidente que muitos israelenses são contrários à criação da Guarda Nacional, e as manifestações contra a reforma do Judiciário também se colocam contra essa proposta. Neste sentido, é importante que a sociedade civil e as organizações de direitos humanos continuem pressionando o governo para manter a segurança pública sob controle do Estado e garantir a independência do Judiciário e, nesse sentido, a pressão internacional também é fundamental.