ALEXANDRE PEREIRA DA ROCHA
Doutor em Ciências Sociais (UnB); membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)
Nas eleições gerais de 2022, as polícias têm sido convocadas para debelar manifestações em apoio a Bolsonaro, que não se reelegeu para a Presidência da República. Nesse contexto, o que tem chamado a atenção é certa reverência de policiais aos protestos pró-Bolsonaro, mesmo que possuam caráter antidemocrático. Isso não é novidade, pois há tempos policiais civis ou militares, das esferas federal ou estadual, têm demonstrado adesão ao bolsonarismo. É curioso. Com Bolsonaro, parte significativa dos policiais se sente representada, e por meio do bolsonarismo alguns buscam legitimar suas presenças ativas na política.
Desse modo, em 2018, muitos policiais embalados com o bolsonarismo concorreram a cargos eletivos nos níveis federal e estadual, sendo que pelos menos uns 30 candidatos, entre delegados, oficiais e policiais oriundos de corporações civis, federais ou militares se elegeram para uma vaga no Congresso Nacional. Ao longo do mandato presidencial de Bolsonaro, alguns daqueles policiais eleitos compuseram sua tropa de choque no parlamento. Assim, militaram em bandeiras bolsonaristas, como o desmonte do estatuto de desarmamento e a aprovação do excludente de ilicitude para policiais em serviço.
Em 2022, o fluxo de candidaturas de policiais declaradamente bolsonaristas se manteve. Com efeito, o Partido Liberal (PL) do presidente Bolsonaro elegeu 18 candidatos originários de corporações, dentre os 38 policiais eleitos para o Congresso Nacional. No entanto, como Bolsonaro não renovou seu mandato presidencial, é provável que a maioria deles venha a se constituir numa ferrenha oposição ao futuro governo Lula. Desse modo, é possível que eles continuem evocando e defendendo o bolsonarismo a partir do palanque do Congresso Nacional.
Não é fácil conhecer a dimensão do apoio de policiais a Bolsonaro, mas vale recordar a já conhecida pesquisa “Política entre os policiais militares, civis e federais do Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a qual sugeriu a influência dele nas corporações. Por exemplo, essa análise indicou que, em 2021, aproximadamente 38% dos efetivos das forças de segurança pública interagiram em ambientes bolsonaristas, inclusive em espaços radicais. Nas polícias militares, esse número chegou a quase 50%. Destaca-se que essas interações podem não ter ficado restritas ao âmbito de opiniões políticas privadas, mas podem ter repercutido na conduta profissional, como tem sido visto no processo eleitoral de 2022.
Há várias teorias sobre o apoio das polícias a Bolsonaro; por exemplo: benefícios na esfera previdenciária para as corporações militares, propostas de restruturação das carreiras das polícias federais, alinhamento a pautas punitivistas e repressivas. De algum modo esses fatores contribuíram a adesão de segmentos das corporações ao bolsonarismo, em graus variados, a depender do tipo de polícia e dos cargos dos profissionais. Ademais, de forma geral, também se ressalta uma assimilação ideológica das polícias com Bolsonaro, especialmente nos temas da ordem, pátria, família, religião.
No entanto, fator preponderante que colaborou para aproximação de policiais ao bolsonarismo é que parte deles se sentiu reconhecida como atores políticos. Daí a identificação com Bolsonaro é de ordem política. Ora, com o bolsonarismo, parte expressiva dos policiais encontrou possibilidade de participação ativa na vida política; assim, por exemplo, passaram a ser figuras proeminentes nas disputas eleitorais, escolhidos para ocupar postos relevantes na estrutura do governo federal, defendidos como heróis no enfrentamento de uma sociedade deflagrada e corrupta. Com efeito, Bolsonaro cravou no imaginário dos policiais a imagem de que deu para eles uma voz política que tantos outros negaram ou negligenciaram.
Dessa forma, o bolsonarismo nas corporações, seja qual for a dimensão dele, é percebido como uma forma de atuação política de seus integrantes, o que ajuda a explicar a tolerância deles aos movimentos pró-Bolsonaro. Por conta disso, superada a presente disputa eleitoral, um dos desafios das lideranças de esquerda e progressistas na área da segurança pública – sobretudo do futuro governo Lula – é buscar um papel político ativo das polícias e de seus profissionais para além do espectro do bolsonarismo.