Tiroteio em Paraisópolis e Tiros na Casa de Roberto Jefferson: dentre as vítimas, a Cadeia de Custódia!
Não se pode franquear a ninguém o acesso a um local de crime, que deve ser resguardado por aqueles que executam o trabalho policial e eventualmente os exames periciais
CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA
Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Na reta final da campanha eleitoral, dois episódios ganharam as manchetes políticas e também policiais: no dia 23 de outubro, numa casa de alto padrão na cidade de Comendador Levy Gasparian (RJ), onde residia o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), a Polícia Federal, ao cumprir um mandado de prisão, foi recebida a tiros e explosões de granadas. O próprio Roberto Jefferson foi o responsável pelos disparos e agressões com o material explosivo, que resultaram em ferimentos em dois dos policiais que tentavam cumprir a ordem judicial. O outro episódio aconteceu durante uma agenda de campanha do então candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Partido Republicanos), em Paraisópolis, zona sul da cidade de São Paulo. O fato ocorreu no dia 17 de outubro e o tiroteio entre policiais e suspeitos resultou em uma morte.
No caso que envolve o ex-deputado Roberto Jefferson, a controvérsia ficou por conta de todo o circo montado para que ele finalmente pudesse ser levado até a autoridade policial e a judiciária. Quando um mandado de prisão ou um mandado de busca e apreensão é cumprido, os protocolos previstos para a apreensão de objetos, armas, documentos e quaisquer outros vestígios são claros e rigorosos, devendo buscar sempre preservar o que se denomina como Cadeia de Custódia das Provas. O material apreendido deve ser documentado antes de ser embalado, com o mínimo de contaminação possível, e aqueles materiais que demandem exames periciais posteriores devem então ser encaminhados às unidades responsáveis por tais exames.
Consta que, no episódio do Rio de Janeiro, a Polícia Federal somente conseguiu ter acesso ao interior da residência mais de 7 horas depois das agressões e que durante as negociações pessoas estranhas ao trabalho policial tiveram acesso a materiais apreendidos, em especial ao arsenal de armas de fogo que pertenceriam ao ex-deputado, alegadamente um CAC (Colecionador – Atirador Desportivo – Caçador). Segundo informações da mídia, parte dos objetos que estavam na casa foram manuseados pelo Padre Kelmon, membro do partido do ex-deputado e candidato do PTB que disputou a presidência no 1º turno das eleições.
Não custa lembrar que a ninguém deve ser franqueado o acesso a um local de crime, que deve ser resguardado por aqueles que executam o trabalho policial e eventualmente os exames periciais. Mas, é claro, não estamos nos referindo a um local qualquer, o que torna o fato ainda mais grave. Existiria então uma regra “especial” para um homem branco, privilegiado pela sua posição ou cargo já exercido? Uma nova cadeia de custódia não prevista e apenas acordada entre os que deveriam cumprir a lei? #ficaapergunta1.
No caso envolvendo a campanha de Tarcísio de Freitas, após o tiroteio, um policial militar diretamente envolvido na ação, e que inclusive teve o fuzil que portava apreendido para exames periciais, acabou por recolher diversos estojos deflagrados na cena do fato antes do acesso franqueado à equipe pericial. A alegação do policial foi a de que, assim agindo, ele estaria protegendo os vestígios que corriam o risco de ser subtraídos por populares. A ação será investigada pela Secretaria de Segurança Pública, já que a conduta pode até configurar-se em uma adulteração de cena de crime e o policial ser responsabilizado por fraude processual. O artigo do Código Penal que define como crime esse tipo de conduta apresenta a seguinte redação:
Art. 347 – Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito.
Quando se removem elementos como estojos deflagrados de uma cena de crime, diversas informações deixam de constar no laudo de exame de local, dentre elas a possibilidade de se analisar a dinâmica do fato através da posição de um atirador na cena, uma vez que os estojos deflagrados e ejetados podem demarcar uma área provável de onde partiram os disparos. Para constar, segundo informações, os peritos receberam e apreenderam no local 88 (oitenta e oito) estojos deflagrados, correspondentes a cinco calibres diferentes de armas de fogo.
No mesmo episódio, um membro da campanha do agora governador eleito de São Paulo teria pedido que um cinegrafista que ali trabalhava apagasse as filmagens do evento, acrescentando ainda mais repercussão ao caso.
Algo a se questionar a respeito desse episódio: o próprio policial participante do fato seria o mais indicado a fazer a preservação da cena de crime, mesmo diretamente envolvido na produção das provas que ele se encarregaria de preservar? Não haveria aí uma suspeição imediata, já que o policial em tese poderia ter interesse numa eventual adulteração? #ficaapergunta2.