Profissão Polícia 28/09/2022

Operação Eleições e o trabalho das Polícias Militares

Os arroubos das disputas políticas são momentos passageiros de uma história nacional na qual as corporações e seus policiais querem se inscrever como fiadores da democracia e da liberdade, corrigindo erros passados

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Alan Fernandes

Coronel da Reserva da Polícia Militar/SP, Professor da Fundação Getúlio Vargas e do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar/SP e associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública

As eleições são o ápice da democracia. Muito embora não se baste nelas, pois exige uma constante disposição democrática nas diferentes esferas de poder de uma sociedade, é, inquestionavelmente, um momento de materialização da história de uma nação. Para que elas ocorram, um esforço governamental bastante importante é colocado em ação. Ganham visibilidade os trabalhos da Justiça Eleitoral, sem dúvida a protagonista desse processo. Mas, além desse papel, gostaria de chamar a atenção para outro ator igualmente importante. As Polícias Militares, mesmo não integrando o rol de atores pertencentes à Justiça Eleitoral, são importantíssimas para que os brasileiros tenham a condição de decidir livremente os destinos políticos do País.

A Operação Eleição, como é chamada, é, principalmente, uma missão que demanda um imenso esforço de gestão de pessoas e logística para seu cumprimento. Envolve a alocação de policiais militares desde a guarda das urnas eletrônicas junto aos cartórios eleitorais até a escolta delas ao retorno. Apenas para os momentos que antecedem as eleições, são dois dias de empenho por diferentes equipes de policiais, além de seus supervisores e lideranças policiais envolvidas na gestão desse contingente e no gerenciamento de crises. São também etapas dessa Operação: a guarda das urnas nos períodos anteriores ao dia da votação (já que, por óbvio, eles não chegam nas seções eleitorais na exata hora do pleito), os trabalhos de autorização da votação em consonância com a autoridade eleitoral após aprovadas as condições de segurança de acesso e circulação, o trabalho propriamente dito durante a votação, além da escolta das urnas de volta aos cartórios eleitorais, como já citado. Tais tarefas ocorrem em cada um dos locais de votação, por policiais militares que trabalham de 6 a 12 horas de serviço, de forma exclusiva, ou seja, sem prejuízo dos efetivos em escala ordinária, envolvidos no patrulhamento e atendimento aos chamados de emergência.

O trabalho no dia da votação volta-se, na dimensão ampla que isso signifique, garantir o exercício do direito e a liberdade de votar. Isso contempla principalmente o cumprimento da legislação eleitoral, em especial na fiscalização quanto ao assédio de candidatos e correligionários aos votantes, o que é conhecido por “boca de urna”.

O “boca-de-urna” ocorre pelo contato corpo a corpo e por carros de som próximos aos locais de votação. Não raras vezes, a utilização de roupas que indiquem a campanha por determinado postulante também é alvo do trabalho policial. Importa destacar que, em especial no interior do local de votação, a ação do policial fica sujeita às demandas do responsável pela zona eleitoral. As áreas externas, ainda que estejam igualmente sob a atenção dessa autoridade no que concerne ao processo eleitoral, ficam mais afetas à atenção da equipe de policiais de serviço. Em geral em duplas, atuam de ofício (por deliberação própria) ou mediante denúncias que chegam pela central de operações, muitas delas originadas na própria Justiça Eleitoral.

Não restrita somente às especificidades do processo eleitoral, toda a gama de eventos que se ligam à preservação da ordem pública fica a cargo das equipes de serviço. Um dos problemas mais recorrentes em locais com baixa infraestrutura de locomoção são o congestionamento de veículos e o intenso fluxo de pedestres, que podem levar a atropelamentos, colisão entre veículos e, no limite, contribuir para que o cidadão deixe de realizar seu voto. Eventuais brigas e discussões entre grupos adversários costumam ocorrer, sem que representem grandes impactos ao transcurso da votação.

Como procurei retratar, as Operações Eleições demandam um esforço institucional bastante importante, haja vista, sobretudo, a dimensão de escala, pois é grande a quantidade de seções eleitorais e cartório eleitorais a ser atendidos por um longo período. Para além desse esforço, as eleições são eventos que transcorrem com bons níveis de tranquilidade. No atual cenário, contudo, as autoridades policiais e governamentais devem considerar variáveis de risco presentes, que, de maneira inédita na redemocratização, impõem maiores esforços os envolvidos.

Dentre essas variáveis, podemos citar episódios recentes de violência política que redundaram em mortes, agressões e ameaças. Isso pode ser atribuído a um desdobramento do forte antagonismo presente no cenário nacional e da crença que os processos de escolhas da elite política poderiam ocorrer sem o livre exercício do voto. Em outras palavras, a simples crença de que o processo é ilegítimo se adiciona à variável de risco citada acima, pois traz em si o risco à tranquilidade dos trabalhos no dia da votação motivados por pessoas e grupos que queiram dar forma, deliberada e artificial, aos seus conteúdos políticos autoritários. Esse panorama, que torna esse pleito peculiar em relação aos anteriores, não passa ao largo da preocupação dos envolvidos, como sinalizam os esforços já colocados em ação para a tranquilidade dos processos que se avizinham.

Pela parte que toca quanto ao fato de que eventuais inclinações políticas dos policiais militares possam se comunicar com o desempenho de suas missões, defendo que o papel desempenhado por essas corporações policiais desde a redemocratização dá a segurança de que esse componente não estará presente. Os olhos “embotados de cimento e tráfego”, nas palavras de Chico Buarque na música Construção, conferem aos policiais militares o julgamento de que os arroubos das disputas políticas são momentos passageiros de uma história nacional na qual as corporações e seus policiais querem se inscrever como fiadores da democracia e da liberdade, corrigindo erros passados.

Abordar como se dá o desenvolvimento do que as polícias denominam por Operação Eleições pode contribuir para trazer maior segurança aos eleitores, de forma a lhes assegurar que disporão das garantias para externar, pelo voto, sua opinião política livre de constrições físicas, morais e políticas. No limite, as policiais militares, por meio da Operação Eleições, reforçam e reforçarão a legitimidade do processo eleitoral e, no limite, constituirão, por mais uma oportunidade, um importante ator para a consolidação da democracia brasileira. É o que teremos, certamente.

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