Cabeça do eleitor policial e os desafios do campo progressistas nas eleições
Existe a tendência de o policial médio votar em Bolsonaro. Contudo, isso não decorreria de supostas qualidades do presidente, mas, em boa parte, de preconceitos do campo progressista ao lidar com o eleitor policial
Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais (UnB); membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
As eleições de 2022, com disputas em níveis federal e estadual, estão se aproximando. O clima polarizado tende a predominar nesse pleito eleitoral, com disputas entre os campos de direita e de esquerda, conservadores e progressistas. Nesse cenário, os candidatos ao Planalto mais bem posicionados nas pesquisas são Lula e Bolsonaro, respectivamente. Diante disso, ao se considerar o recorte da disputa presidencial, como os policiais podem agir na condição de eleitor? Como poderá funcionar a cabeça do eleitor policial na votação de 2022?
Atualmente há evidências que enquadram o policial médio como alinhado ao bolsonarismo. Assim, um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstrou que 41% dos praças das polícias militares concordam com as pautas bolsonaristas. Ora, Bolsonaro tem buscado se colocar como o representante da classe policial, sobretudo dos militares. Por isso é comum vê-lo entre policiais e usando insígnias e armas das corporações. Ademais, ele tem prometido benefícios às corporações, por exemplo, programas de habitação para alcançar policiais estaduais e reajustes salariais às forças federais. Por conseguinte, o policial penderia seu voto para Bolsonaro.
Enquanto isso, Lula, na condição de candidato, gera sentimentos ambíguos no eleitorado policial. À época que ele ocupou a presidência, por exemplo, as polícias federais e outras a cargo da União, como as polícias civil e militar do Distrito Federal, obtiveram vantagens decorrentes de uma política de valorização do serviço público. Talvez reflexos dessa política tenham se repetido noutros estados e com ganhos para os policiais. Esses segmentos favorecidos veem Lula com empatia. Não obstante, Lula, rotulado por setores conservadores das corporações como mirante da esquerda e comunista, é visto com rechaço pelo policial médio. Assim, a probabilidade é que Lula obtenha votos dispersos no eleitorado policial.
Apesar dessa polarização, sendo o policial médio mais orientado a votar em Bolsonaro do que em Lula, o dilema não se resume às figuras desses candidatos, mas se estende aos discursos e práticas que simbolizam. É curioso. O policial médio se identifica mais com Bolsonaro porque ele transmite narrativas aproximadas às do coletivo policial; por exemplo: defesa da pátria e família, conservadorismo, policiamento repressivo, armamento da sociedade civil, anticomunismo. Por sua vez, Lula personifica o oposto disso, o que o colocaria como uma ameaça direta aos valores dos policiais.
Na verdade, no imaginário policial, há um mito de que personagens de esquerda, como Lula, nutrem ressentimento às corporações. Prova recente disso seria um discurso de Lula, no qual afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, ele gosta de policial”. Ora, para boa parte dos policiais as referidas palavras do ex-presidente demonstrariam como ele tem ojeriza às corporações. Mesmo com um pedido formal de desculpa no último 1º de maio, a imagem do candidato Lula ficou meio arranhada entre os policiais. É fato. Paira nas corporações certa desconfiança com a esquerda política e temor com a figura de Lula para presidente.
Todavia, deixando os mitos de lado, o receio do policial brasileiro para com partidos e candidatos de esquerda é, em boa parte, também efeito da própria falta de estratégia deles em relação ao eleitorado policial. É fato. O campo progressista praticamente negligenciou o tema polícia, seja por medo de represálias ou ignorância no assunto. Resultado: governos de esquerda pouco têm avançado no tema reforma do sistema policial. Pior: quase não possuem discursos e ações que não sejam mimetizações do receituário conservador, a saber: favorecimento das elites policiais; loteamento da segurança pública; aquisição de mais armas, efetivos e viaturas. Destarte, em geral, o campo progressista carece de pautas originais capazes de atrair o voto do eleitorado policial.
Nesse sentido, servem como paradigmas os governos Lula e Dilma. Em suma, eles buscaram construir programas de segurança pública baseados em temas de democracia, cidadania e direitos humanos. Nesse contexto, destacam-se avanços na formação dos profissionais de segurança pública, a qual passou a ser incrementada com tópicos de ética, diversidade, identidade, gestão, gênero. No geral, essa política pretendia promover corporações responsivas e policiais conhecedores de seu papel social. Não obstante, os referidos governos não modificaram a arquitetura institucional da segurança pública, ainda eivada de normas autoritárias e de organizações burocratizadas; logo as boas intenções não encontram terreno para prosperar sustentavelmente.
Enfim, o eleitor policial é pragmático, com forte disposição para preservação de seus valores e prerrogativas. Daí nas eleições de 2022, numa possível disputa entre Bolsonaro e Lula, há tendência de o policial médio, sobretudo o de caráter militar, votar no primeiro do que no segundo. Contudo, isso não decorreria de supostas qualidades de Bolsonaro em relação a Lula; mas, em boa parte, de preconceitos do campo progressista em lidar com o eleitor policial. Por isso, convém aos candidatos do campo progressista – como Lula – buscar atrair e compreender o eleitorado policial; caso contrário, eles podem se render aos apelos do bolsonarismo.