Múltiplas Vozes

Paulo Moreira Vaz Pereira (3/7/1985 – 14/3/2022)

A falta de reconhecimento e de acolhimento de policiais no Brasil, submetidos a um trabalho altamente estressante, aumenta sua vulnerabilidade

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Anderson Cavichioli

Delegado de Polícia Civil-DF

Eva Bulcão

Policial Civil-BA e Psicóloga

Jordhan Lessa

Guarda Municipal- Rio de Janeiro

Perdemos um dos nossos. Popó Vaz, como era conhecido, nos deixou muito cedo, aos 37 anos. Ativista, policial civil, investigador desde 2018 na Grande São Paulo, era membro da RENOSP-LGBTI+, associação que congrega profissionais LGBTI+ na segurança pública brasileira. Natural de Belo Horizonte, residia em São Paulo. Identificava-se como homem trans gay e era público seu relacionamento com o influenciador Pedro HMC, um dos idealizadores do perfil Põe na Roda, voltado a temas LGBTI+.

Gentil, carismático, solícito, Popó era muito querido e transformou-se em uma referência, principalmente para pessoas transmasculinas. Em uma de suas entrevistas, ao portal G1, em 2018, disse: “A sociedade ainda tem muita homofobia e machismo enraizado e para isso a gente tem de botar a cara e aparecer mesmo, falar sobre o assunto para as pessoas perceberem que esse preconceito não precisa existir. Todo mundo aqui dentro da Segurança Pública pode inspirar outras pessoas. Quero mostrar que, se eu estou ali na polícia, qualquer um pode”.

A causa da morte de Popó não foi revelada, mas acredita-se em suicídio. No Brasil, uma pessoa morre dessa causa a cada 45 minutos. Em média, 11 mil pessoas tiram a própria vida por ano, quase 6% da população e, com base nos dados estatísticos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), foram constatadas 205.990 mortes por suicídio nas últimas duas décadas, número inferior apenas aos de acidentes de trânsito e homicídios.

O relatório “Projeto Transexualidades e Saúde Pública no Brasil: entre a invisibilidade e a demanda por políticas públicas para homens trans” mostrou que o número de suicídios entre essa população no Brasil é muito alto, fenômeno que se agrava porque pessoas trans deixam de buscar por serviços de saúde por temerem transfobia. O estudo foi realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG e concluiu que 85,7% dos homens trans já pensaram ou tentaram cometer suicídio. Nos dias que antecederam sua morte, Popó foi bombardeado com ataques transfóbicos virtuais. A um amigo confessou que estava extremamente impactado.

Além de lidar com a transfobia estrutural brasileira, a condição de policial não pode ser ignorada. As últimas postagens de Popó nas redes sociais associaram plantões noturnos e comprometimento da saúde mental: um misto de alerta e pedido de socorro. A falta de reconhecimento e de acolhimento de policiais no Brasil, submetidos a um trabalho altamente estressante – por fatores como falta de estrutura, efetivo deficitário, privação de sono, de lazer e da companhia da família, baixa remuneração e carga horária excessiva, entre outros – sem o correspondente acompanhamento psicológico, alimenta a vulnerabilidade dos agentes. Em 2018 houve mais policiais vítimas de suicídio do que assassinatos no horário de trabalho (104 suicídios no Brasil), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. Popó estava submetido à sobreposição de fatores comprometedores da saúde mental.

Popó foi um desbravador e não se perdeu no machismo, ainda regra nas forças de segurança pública brasileiras. Mas o que movia Popó e a nós? O desejo de mudança. Não queremos mais ser os primeiros. Buscamos a naturalização de nossas existências nos espaços públicos. Popó deixa seu legado. Ajudou a construir parte de nossa história. Precocemente descansou. Cada um de nós que se vai deixa uma lacuna, impossível de ser preenchida por outrem. O que podemos fazer? Preservar sua memória. Continuar sua luta essencial: o reconhecimento de sua humanidade. Popó fará falta. Muita.

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