2021: Balanço e perspectivas da Política Penitenciária
Muito do que se faz no sistema prisional repete receitas como restrição de direitos, incremento da vigilância e recrudescimento punitivo sem, no entanto, apontar para quaisquer efeitos desejáveis, como o aumento da segurança, ou a redução dos registros de criminalidade no país
João Vitor Rodrigues Loureiro
Pesquisador do LabGEPEN - Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB. Doutorando em Sociologia pela UnB
Um dos fatos mais notórios para a política penitenciária brasileira no ano de 2021 possivelmente foi o registro de um decréscimo da massa carcerária geral. A redução da população prisional brasileira, em 2021, embora não tão expressiva, indica uma desaceleração das entradas no sistema, acompanhada dos registros de saída. Embora seja bastante complexo inferirmos todo o complexo arco de causas para essa diminuição, ela reverte a tendência histórica consistente, de incremento da população prisional – da ordem de 5 a 10% ao ano, apresentada nos últimos 30 anos.
Uma das principais explicações para essa diminuição está na pandemia de Covid-19, que certamente revirou diversas áreas da vida social de ponta-cabeça. Embora o Conselho Nacional de Justiça tenha editado a Recomendação nº 62 ainda em 2020, com o objetivo de que os magistrados da execução penal revisassem casos de presos dos grupos de risco da Covid-19, em 2021, o texto foi revisado, com o Conselho já sob a gestão do Ministro Luiz Fux. O novo texto orienta que as medidas não sejam aplicadas a processados ou condenados por crimes hediondos, por crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro, delitos da criminalidade organizada e por crimes de violência doméstica contra a mulher, o que pode ter contribuído para reduzir o fluxo de solturas no período.
As causas para essa redução da população prisional ainda carecem de melhor compreensão: uma redução de mandados de prisão e mesmo de prisões em flagrante realizadas pelas forças policiais (o que a pandemia pode ajudar a explicar, com a redução de circulação de pessoas em centros urbanos e de algumas dinâmicas criminais) possivelmente garantiu que o saldo final de saídas tenha superado o de entradas no sistema. Outras causas ainda não foram suficientemente detalhadas no atual contexto – como o uso de medidas cautelares diversas da prisão, a monitoração eletrônica e prisões domiciliares, ou mesmo o saldo de mortes no interior do sistema – tornando necessários levantamentos e estudos detalhados, a partir de dados e evidências ainda pouco estruturados.
2021 também revelou como a tecnologia resolveu problemas de maneira bastante parcial. As audiências de custódia, suspensas em razão da pandemia, foram autorizadas em junho, pelo Ministro do STF Nunes Marques, a ser realizadas por meio de videoconferência. A retomada das audiências – agora, de modo virtual – no contexto excepcional da pandemia aponta para os riscos de sua permanência nessa modalidade: à distância, por meio de uma tela, dificilmente os juízes procederão a uma aplicação adequada do Protocolo de Istambul e de medidas eficazes para investigação de casos de tortura em detenções pré-julgamento, verdadeiro desafio do sistema de justiça criminal brasileiro.
Outro aspecto importante foi a retomada das visitas presenciais que, embora essenciais para a pessoa privada de liberdade e seus familiares e entes queridos, evidenciaram as amplas disparidades regionais entre as administrações prisionais brasileiras: sem um protocolo único para retomada gradual – e sem um monitoramento cuidadoso, eficaz e em tempo real de casos de Covid-19 no Sistema Prisional – algumas unidades federativas, como Goiás, permanecem com visitas presenciais suspensas em unidades prisionais em 2021, sob o argumento de contenção da pandemia.
2021 também foi o ano em que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária disciplinou questões controversas: por meio da Resolução nº 16, que estabelece medidas de eliminação de tomadas e pontos de energia do interior e das proximidades das celas nos estabelecimentos penais. A medida, visando garantir que as pessoas custodiadas não acessem pontos de energia de modo a não carregarem aparelhos telefônicos, pode representar a restrição a inúmeros outros utensílios de primeira necessidade na vida prisional, onde as assistências frequentemente são precárias e pouco acessíveis. Também editou a Resolução nº 23, que restringiu as visitas íntimas, as quais passaram a ser visitas conjugais, restritas a pessoas casadas ou em união estável registrada, e mensais, mediante registro prévio da/do visitante, sem direito a substituição de cônjuge senão após doze meses.
No que diz respeito à vacinação, os dados do sistema – servidores e população custodiada – apontam para um ritmo menos acelerado, com proporção de pessoas vacinadas com as duas doses inferior ao total de vacinados na população em geral.
De maneira geral, 2021 apontou para desafios importantes: o controle da pandemia, a (re)definição de rotinas prisionais no contexto da pandemia, a reconfiguração do fluxo entre justiça criminal e estabelecimentos prisionais, o reforço da pretensa condição policial (e da coesão corporativa) existente nas carreiras de servidores prisionais das unidades federativas, e uma baixa coordenação existente entre União e unidades federativas para a solução de problemas e desafios. O principal desafio é identificar que medidas e ações vieram para ficar – e constituir algum tipo de tendência das políticas penais – e o que isolada ou pontualmente se caracteriza como ponto fora da curva. Somente o tempo dirá. Enquanto isso, muito do que se faz no sistema prisional – e para ele – repete receitas como restrição de direitos, incremento da vigilância e recrudescimento punitivo sem, no entanto, conseguir apontar para quaisquer efeitos desejáveis, como o aumento da segurança, ou a redução dos registros de criminalidade no país.