Perícia em evidência 08/03/2023

Vitimização das mulheres no Brasil: A perícia diante das evidências visíveis e invisíveis

Atualmente, com as técnicas disponíveis no universo pericial, evidências que antes nos escapavam estão cada vez mais ao alcance: DNA, imagens e vídeos, gravações, discretas lesões, rastros imperceptíveis a olho nu

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CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No último dia 2 de março o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou a 4ª edição da pesquisa Visível e Invisível​: A Vitimização de Mulheres no Brasil, exatamente no mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, 8 de março.

Desde a primeira edição dessa pesquisa, os dados, cada vez mais completos, permitem entender melhor a dinâmica da vitimização das mulheres inseridas em uma sociedade machista, violenta e desigual.

A observação de alguns desses dados nos permite estabelecer uma relação direta de como os serviços periciais podem contribuir para a busca de avanços.

Começamos citando um dado relevante: entre as ações citadas pelas mulheres como muito importantes no enfrentamento à violência doméstica, está a punição de forma mais severa daqueles que cometem esse tipo de crime. 76,5% das mulheres entrevistadas fazem menção a esse ponto. Mas falar em punição requer antes de mais nada um sistema jurisdicional eficiente, aliado a um sistema policial adequado, tanto da polícia ostensiva como da polícia jurídica, além, é claro, de um Ministério Público e Justiça também atuantes.

Abordar no momento inicial, investigar, indiciar, denunciar, julgar, condenar. Ações previstas nesse rito punitivo que dependem em determinado momento da produção de provas técnicas robustas, tarefa dos órgãos de perícia (Institutos de Medicina Legal, Institutos de Criminalística e de Identificação)

Vamos detalhar como isso pode se dar: exames de corpo de delito feitos no menor prazo possível, permitindo a efetiva documentação das agressões experimentadas pelas vítimas e dentro de protocolos que incluam um acolhimento adequado às mulheres. Nos referimos a médicos, policiais, assistentes sociais, psicólogos, enfim, um corpo de profissionais treinados e eficientes.

Eventualmente exames de locais de crime, quando existirem vestígios deixados em cenas que na maior parte das vezes correspondem exatamente a ambientes domésticos, onde lares que deveriam ser o reduto de felicidade se transformam em recintos de dor e sofrimento. Lembremos que, segundo a pesquisa, 53,8% das mulheres que sofreram violência tiveram como espaço de maior violência a sua própria casa.

Outro dado extraído da pesquisa: ao relatar as razões para não procurar a polícia, as mulheres informam como a terceira razão mais frequente, com 14,4%, a avaliação que fazem de que não haveria provas suficientes. Certamente esse número reflete juntamente com as outras razões apontadas uma das características desse tipo de crime: a subnotificação. Mudar esse cenário não é tarefa fácil, já que isso passa necessariamente por uma mudança de percepção das vítimas. Campanhas educativas podem ajudar, destacando que a avaliação da suficiência ou não das provas não cabe à vítima e sim a quem recebe e atende a denúncia. Atualmente, com as técnicas disponíveis no universo pericial, evidências que antes nos escapavam estão cada vez mais ao alcance: DNA, imagens e vídeos, gravações, discretas lesões, rastros imperceptíveis a olho nu.

Imaginar que toda a nossa estrutura pericial possa funcionar a contento nas grandes capitais já é um exercício de otimismo, mas quando deslocamos nosso olhar para os mais afastados rincões desse imenso país chamado Brasil, damo-nos conta do tamanho desse desafio. A mulher brasileira que vive em zonas rurais e ribeirinhas está tão sujeita à violência doméstica como aquela que vive nos centros urbanos, mas certamente sua rede de apoio ao enfrentamento é muito mais restrita. Que esse imenso desafio possa ser abraçado pelos governantes e gestores na busca de soluções.

Importa também lembrar a relação direta desse tipo de violência com sua manifestação mais cruel: o feminicídio. Protocolos de investigação e periciais têm incrementado o combate a esse tipo de crime. As delegacias especializadas também se mostraram um avanço importante nessa luta.

A pesquisa Visível e Invisível​: A Vitimização de Mulheres no Brasil é sempre acompanhada de um choque de realidade em relação ao tamanho e às características desse tipo de violência. Esse é o seu papel. Se já é difícil combater essa epidemia com os conhecimentos aprofundados que a pesquisa nos permite, que diríamos se dela conhecêssemos apenas sua superficialidade?

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