Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No período compreendido entre 2013 e 2023, 2.124 crianças de 0 a 4 anos sofreram homicídio. No mesmo período foram vitimadas 6.480 crianças entre 5 e 14 anos e 90.399 adolescentes entre 15 e 19 anos. São milhares de crianças e adolescentes que não tiveram a chance de sequer iniciar ou concluir sua vida escolar, ou de começar a construir um caminho profissional.
No caso de vítimas de homicídio na primeira infância (0 a 4 anos), o agregado nacional da taxa de homicídios por 100 mil infantes indica que, em 2023, houve aumento em relação ao período anterior, com o registro de 1.2 homicídio a cada 100 mil infantes. No entanto, a variação em 10 ou cinco anos foi de -29,4% e -14,3%, respectivamente.
Em relação à taxa de homicídio contra crianças entre 5 e 14 anos, os dados de 2023 indicam estabilidade na variação interanual no agregado nacional. Comparando com o registro de 2013, a taxa de homicídios de crianças apresentou redução de 53,8%.
Por fim, como observado no início da seção, os adolescentes, com idade entre 15 e 19 anos, são as vítimas mais frequentes de homicídio, considerando as faixas etárias analisadas. No entanto, a dinâmica temporal da taxa de homicídios de adolescentes no agregado nacional segue padrões semelhantes aos observados nas outras faixas etárias. Houve redução de 7,6% nesse indicador, no último ano.
Conhecida a dinâmica temporal dos homicídios contra infantes, crianças e adolescentes, o instrumento causador do óbito aparece como variável de interesse na elaboração de políticas públicas. De acordo com a Tabela 4.5, em todas as faixas etárias, arma de fogo aparece como instrumento conhecido de maior frequência nos homicídios. Com efeito, 83,9% dos adolescentes (15 a 19 anos) e 70,1% das crianças (5 a 14 anos) foram vitimizados com o uso da arma de fogo. Em relação às vítimas infantes (0 a 4 anos), instrumentos desconhecidos aparecem com maior frequência, sinalizando inadequado preenchimento da informação instrumento na declaração de óbito.

Os homicídios não representam a totalidade das violências enfrentadas por crianças e adolescentes. Além de serem vítimas de violência letal, também sofrem com violências não letais, sendo importante monitorar essas violências com base nos registros administrativos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde (MS). O SINAN registra características associadas a diversos tipos de violência. Nesta seção apresentaremos quatro categorias: violência psicológica, negligência/abandono, violência física e violência sexual.
A Tabela 4.6 apresenta a distribuição do local de ocorrência das violências contra crianças e adolescentes notificadas entre 2013 e 2023. No caso de infantes (0 a 4 anos) e crianças (5 a 14 anos), a residência aparece como local majoritário das ocorrências, constando respectivamente em 67,8% e 65,9% das notificações. A violência ocorrida em escolas é mais comum entre crianças (5,7%), tornando-se preocupantes dados sobre possíveis impactos no desenvolvimento educacional. Devemos notar, contudo, que existe uma proporção significativa de notificações em que há pouca informação sobre o local de ocorrência (local ignorado ou outro). No caso de crianças, em 15,2% das notificações não é possível conhecer o local de ocorrência da violência, destacando o imperativo de aperfeiçoar a coleta e o detalhamento de informações na notificação. No caso de adolescentes, embora residência permaneça como o local de ocorrência de maior frequência (48,4%), violências em via pública representam 28% das notificações, sugerindo diferenciada dinâmica de violência com o passar de idade.

Dado que a residência é o local mais comum de ocorrência de violência contra crianças e adolescentes, é natural esperar a violência familiar como fenômeno de maior frequência. Isso é confirmado pelos dados da Tabela 4.7, que detalham a violência contra crianças e adolescentes por agressor.[1] Assim, em todas as faixas etárias a violência familiar é o tipo prevalente.

De acordo com a Figura 4.6, as notificações de violências não letais apresentaram tendência de crescimento nos onze anos da série analisada. Nas quatro categorias apresentadas – negligência, violência física, psicológica e sexual – houve aumento dos registros. Entretanto, a tendência precisa ser vista com cuidado, pois parcela deste crescimento pode estar relacionada à expansão da cobertura do SINAN no período.
Entre 2013 e 2023 existe uma dinâmica temporal comum aos tipos de violência e às faixas etárias, isto é, expansão das notificações até 2019, redução no primeiro ano da pandemia de Covid-19 e retomada do crescimento[2] nas notificações em 2021. No entanto, para cada tipo de violência há participação relativa distinta por faixas etárias, sugerindo uma transição do tipo de violência prevalecente ao longo da vida das vítimas. Infantes são as principais vítimas de negligência (61,4%), crianças são a maioria das vítimas de violência psicológica (54,8%) e sexual (65,2%) e adolescentes são as principais vítimas de violência física (58,2%).
Além da transição do tipo de violência entre faixas etárias, alterna-se a distribuição do sexo das vítimas. Entre 2013 e 2023, dentre as violências analisadas, mulheres são 65,1% das vítimas e, portanto, constituem as principais vitimizadas em violência física (60,1%), psicológica (72,1%) e sexual (86,3%). Crianças e adolescentes do sexo masculino são as principais vítimas de negligência totalizando 52,3%.


O gráfico 4.7 apresenta os registros de quatro tipos de violência mais frequentes no Sinan entre crianças e adolescentes: violência física, sexual, psicológica e negligência. Como dito anteriormente, parte do crescimento ao longo dos onze anos analisados diz respeito à expansão do próprio Sinan, cuja cobertura ampliou consideravelmente o número de municípios e estabelecimentos, bem como à melhoria do registro realizado pelos profissionais de saúde. No entanto, chama atenção a tendência verificada a partir de 2020, ano que tem início a pandemia de covid-19.
Com as medidas de isolamento social adotadas a partir de março daquele ano para conter a expansão da epidemia, o número de atendimentos relativos aos casos de violência no sistema de saúde caiu consideravelmente (-20,6%), passando de 75.313 registros em 2019 para 59.815 em 2020. Esta mesma tendência foi verificada nos registros de violências doméstica e de roubos divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, indicando um menor acesso da população a estes equipamentos em função das mudanças promovidas nos primeiros meses de pandemia.
No ano seguinte, no entanto, os números retomam o ritmo de crescimento verificado no período anterior à pandemia, com 69.964 registros de violências física, sexual, psicológica e negligência em 2021 e 84.707 registros em 2022, aumento de 21% no período. Em 2023, outro crescimento ocorreu, muito acima da média histórica, com ampliação de 36,2%, atingindo o recorde de 115.384 registros. Desse total, 35.396 foram de crianças de 0 a 4 anos, crescimento de 32,7% em relação ao ano anterior. Na faixa etária de 5 a 14 anos foram 53.951 registros, aumento de 40,5% em relação a 2022. Já entre os adolescentes de 15 a 19 anos foram 26.037 registros dos quatro tipos de violência, aumento de 32,6%.

REFERÊNCIAS