Múltiplas Vozes 14/05/2025

Uma análise do espaço relacional dos homicídios na região Norte do Brasil*

Estudo aponta como fatores socioeconômicos e ações governamentais influenciaram as taxas de homicídio na região Norte entre 2012 e 2019

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Leonardo de Andrade Carneiro

Doutor em Desenvolvimento Regional (UFT). Associado ao Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP)

O debate sobre os determinantes da criminalidade violenta constitui um eixo fundamental para a formulação de políticas públicas eficazes no âmbito da segurança nacional. Particularmente, a compreensão dos fatores associados à dinâmica dos homicídios revela-se importante para a implementação de estratégias direcionadas à redução sustentável desse fenômeno. O estudo de Carneiro e Pedroso (2024) oferece contribuições ao analisar os padrões de flutuação nas taxas homicidas na região Norte, destacando a necessidade de abordagens regionalmente contextualizadas.

Os dados revelam que, em 2017, o Brasil atingiu seu pior registro, com 65.602 homicídios (31,59 100 mil/hab.). Entre 2018 e 2022, houve redução, mas com oscilações: 27,80 (2018), 21,65 (2019), 23,54 (2020), 22,42 (2021) e 21,67 (2022). Essas variações indicam que, apesar da tendência de queda, a violência homicida permanece um problema persistente, influenciado por fatores econômicos, políticos e sociais.

A análise regional demonstra disparidades marcantes. Em 2012, as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentavam as maiores taxas, enquanto Sul e Sudeste registravam as menores. Em 2019, o Norte continuava como uma das regiões mais violentas, seguido pelo Nordeste e Centro-Oeste, enquanto Sul e Sudeste mantinham as menores.

Vale destacar que a região Norte tem sido menos estudada em comparação com outras áreas do país. Carneiro (2022) ressalta que questões como tráfico de drogas, atuação de facções criminosas e fragilidade do controle social ajudam a explicar as altas taxa de homicídio. Diante desse cenário, torna-se importante abordar essa problemática nos estados da região Norte, considerando suas características únicas.

A pergunta norteadora desta pesquisa é: o que explica as variações das taxas de homicídios na região Norte do Brasil? Este artigo tem como finalidade objetivar o espaço relacional dos homicídios nos estados da região Norte do Brasil-ERHN-BR (2012 a 2019), período que antecede eventos disruptivos como as eleições de 2018 e a Covid-19.

Para fundamentar a pesquisa, adotou-se uma abordagem teórica integrada, combinando a Teoria da Desorganização Social (TDS) e o conceito de Espaço Social de Bourdieu (1986). A TDS associa a criminalidade a fatores como mobilidade residencial, heterogeneidade étnica e privação econômica, argumentando que a concentração de desvantagens sociais enfraquece o controle comunitário e aumenta a violência. Neste estudo, os princípios da TDS foram aplicados a contextos regionais. Sampson e Groves (1989) e Morenoff et al. (2001) ampliaram essa perspectiva ao incorporar a noção de eficácia coletiva, envolvendo redes comunitárias na prevenção da criminalidade.

A abordagem bourdieusiana analisa a violência como fenômeno inserido em um espaço social marcado por desigualdades e relações de poder, no qual agentes e instituições ocupam posições determinadas por seus capitais econômico, cultural e social. No contexto do Norte do Brasil, variáveis como status socioeconômico, diversidade racial e instabilidade familiar influenciam essa configuração. Além disso, o estudo incorpora fatores como desigualdade no acesso a serviços públicos, crescimento urbano desordenado e desemprego (Beato, 1998; Anjos Júnior et al., 2018).

A disposição dos estados-anos no ERHN-BR foi analisada por meio da Análise de Correspondências Múltiplas (ACM), técnica estatística que mapeia relações entre variáveis e indivíduos. Os dados foram coletados do IBGE, IPEA, MJ, FBSP, Sisdepen e DataSus.

ACM foi feita no software SPAD, gerando 55 eixos, com os dois primeiros analisados. Eles representam 31,7% e 15,3% da variância (total: 47%), considerando categorias com frequência acima da média (100/264=0,38). Incluímos apenas indivíduos ativos (estados-anos) com inércia superior à média (100/56=1,8).

Concentração de desvantagem, tráfico de drogas e homicídio

O primeiro eixo representa uma parte significativa da inércia do ERHN-BR, sendo o lado direito composto por 53 categorias ativas e 12 passivas, enquanto o lado esquerdo conta com 44 categorias ativas e 13 passivas. As principais descobertas revelam que o aumento nas taxas de homicídios está associado à vulnerabilidade social e à falta de ações repressivas. Em contrapartida, estados-anos com maiores taxas de apreensão de armas de fogo, combate intensificado ao tráfico de drogas e aumento no encarceramento apresentam índices menores de homicídios. Isso reforça a importância da integração entre sociedade civil e instituições públicas no enfrentamento da criminalidade violenta, bem como a necessidade de reduzir disparidades socioeconômicas para prevenir a violência.

Os estados-anos do lado esquerdo enfrentam altos índices de criminalidade, desigualdade e vulnerabilidade social, demandando maior investimento em políticas preventivas e repressivas. Já o lado direito apresenta um cenário mais favorável, com menores taxas de homicídios e maior estabilidade socioeconômica. Esses resultados destacam a relação entre condições socioeconômicas e violência, além da importância de considerar particularidades regionais nas estratégias de segurança pública.

As complexas relações entre fatores socioeconômicos e homicídios

O segundo eixo é composto por 87 categorias ativas e 30 passivas, dividindo-se os estados-anos em dois grupos. O lado de baixo (47 ativas e 17 passivas) apresenta maiores taxas de homicídios, principalmente entre jovens (15-29 anos) e adultos (40-59 anos), com redução na faixa de 30-39 anos. Estes estados-anos têm menos investimentos em segurança, maior apreensão de armas, menor encarceramento e menos registros de tráfico. O lado de cima (40 ativas e 13 passivas) mostra o oposto: menores taxas de homicídios, mais gastos com segurança e maior encarceramento.

Economicamente, o lado de cima tem maior analfabetismo, mas melhores indicadores educacionais, mais mulheres chefes de família e maior formalização do trabalho, apesar do desemprego elevado. O lado de baixo, com menor analfabetismo, enfrenta piores condições: maior densidade populacional, informalidade e desigualdade de renda, mas paradoxalmente menor vulnerabilidade social.

Demografia e políticas sociais também divergem: o lado de baixo tem mais crianças fora da escola e mais mães adolescentes, enquanto o lado de cima apresenta beneficiários do Bolsa Família com maior escolaridade.

A análise revela que altas taxas de homicídios no lado de baixo coexistem com menos gastos em segurança, sugerindo a insuficiência de políticas puramente repressivas. Já no lado de cima, maiores investimentos em segurança se relacionam com menos homicídios, mas fatores como educação e renda também são determinantes. Esses resultados destacam a necessidade de abordagens multidimensionais adaptadas às realidades específicas de cada grupo de estados-anos.

Considerações finais 

O estudo analisou como fatores socioeconômicos e ações governamentais influenciaram as taxas de homicídio na região Norte entre 2012 e 2019. Investimentos em segurança pública, especialmente medidas repressivas como policiamento ostensivo, apreensão de armas/drogas e encarceramento, correlacionaram-se com menores taxas de homicídios. Programas sociais como o Bolsa Família também se mostraram relevantes ao reduzir vulnerabilidade social e melhorar acesso à educação.

Desigualdade (Gini) e vulnerabilidade social impactaram indiretamente a criminalidade. Fatores como instabilidade familiar (especialmente em lares chefiados por mulheres) e condições habitacionais precárias aumentaram o risco de violência. A pesquisa destaca a necessidade de abordagens multidimensionais que combinem políticas de segurança com desenvolvimento social.

  • Trata-se de um recorte do artigo publicado na revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, [S. l.], v. 14, p. 432–455, 2024. DOI: https://orcid.org/0000-0003-2388-7516. O texto completo está disponível em: https://www.periodicos.unc.br/index.php/drd/article/view/5308. Acesso em: 28 abr. 2025.

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