Múltiplas Vozes 15/06/2023

Tentativa frustrada de assalto em Confresa-MT mostra a relevância das tecnologias de prevenção

Embora, nos últimos anos, a banalização do derramamento de sangue tenha dado o tom da repressão policial ao chamado “novo cangaço” no país, uma operação que resulta em quase vinte mortos não engrandece a sociedade brasileira na perspectiva humanitária e no tocante à elucidação desse tipo de crime

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Jania Perla Diógenes de Aquino

Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará; Pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência - LAV/UFC

No dia 9 de abril último, uma quadrilha tentou assaltar uma empresa de guarda valores em Confresa, município do Mato Grosso com cerca de 40 mil habitantes. O caso foi registrado à tarde, quando os assaltantes se dividiram em ataques a diferentes pontos da cidade. Uma parte da quadrilha disparou conta o quartel militar, onde também ateou fogo em um carro. Outros assaltantes destruíram o transformador de energia para dificultar a comunicação entre policiais e impedir transmissões de imagens pelas câmeras de segurança. Em seguida, a quadrilha demoliu parte do muro da Brinks Segurança e Transporte de Valores e tentou implodir a porta que dá acesso ao cofre. Foi aí que surgiu o obstáculo que inviabilizou toda a operação criminal. Segundo o depoimento à Polícia Civil de um dos assaltantes presos, divulgado em diversos veículos de mídia, a quadrilha esperava auferir entre R$ 30 e 40 milhões, mas não levou nada porque se deparou com grande quantidade de gás na sala do cofre, acionado como uma “fumaça” pelo sistema de segurança da empresa. Nas palavras do depoente: “É tipo enxofre. Você não consegue ficar perto dela. (..) Entrou mais gente, mas ninguém conseguiu ficar perto. Tinha que sair fora(…), não conseguia pegar.”

Informações veiculadas em mídias e redes sociais indicam que a tentativa de assalto em Confresa apresenta quase todas as características dos crimes que têm repercutido sob a denominação de “novo cangaço”. Trata-se de ações contra instituições financeiras em cidades pequenas e médias nas diferentes regiões do país, efetuadas por quadrilhas de composição interestadual, que aglutinam dezenas de homens fortemente armados, obtêm o domínio momentâneo das cidades alvejadas, atacando e obstruindo a atuação das forças de segurança pública, utilizam explosivos que destroem parcial ou completamente sedes de bancos e empresas de guarda valores, fazem reféns e disseminam pavor e medo nas populações. É recorrente que imagens dessas quadrilhas em ação sejam publicadas por moradores amedrontados em redes sociais, alcançando enorme visibilidade. A ação em Confresa foi mais audaciosa do que a maioria dos casos classificados como “novo cangaço”, cujas investidas são orquestradas principalmente em noites e madrugadas, quando a quantidade de policiais em plantão é reduzida e é difícil obter reforços das cidades vizinhas. Ao atacar à luz do dia, além de se deparar com movimentação de populares nas ruas, a quadrilha enfrentou as forças de segurança pública de Confresa em pleno funcionamento e com maior capacidade de articulação. Geralmente a repercussão e a comoção social desencadeadas por um assalto definem a abrangência da perseguição policial à quadrilha, o que não foi diferente neste caso. A operação Canguçu, que se seguiu à tentativa de assalto, durou quase um mês, envolveu polícias de 5 estados, em um contingente de mais 300 profissionais. A caçada à quadrilha ensejou confrontos que resultaram na morte de 18 assaltantes, além de 5 prisões e a apreensão de 2 metralhadoras .50, 11 fuzis AK 47, além de outros equipamentos.

Embora, nos últimos anos, a banalização do derramamento de sangue tenha dado o tom da repressão policial ao chamado “novo cangaço” no país, entendo que uma operação que resulta em quase vinte mortos não engrandece a sociedade brasileira na perspectiva humanitária e no tocante à elucidação desse tipo de crime. Geralmente, são os assaltantes presos que forneceram informações sobre o planejamento dessas ações, a divisão de tarefas, composição da quadrilha e os informantes que conseguem recrutar nas instituições financeiras e até mesmo entre profissionais da segurança pública.  Além das prisões e apreensão de armas, um ponto positivo da operação Canguçu foi a coleta de materiais com DNA dos assaltantes, visando identificar toda a quadrilha, incluindo os que deram suporte logístico ao crime, além de permitir a comparação com códigos genéticos coletados em outros casos. Na perspectiva de desencorajar e reduzir esse tipo de crime, mais relevante do que perseguições policiais implacáveis e “cinematográficas” é o investimento em estratégias e tecnologias de prevenção, por parte das instituições financeiras. Para que um assalto desse porte ocorra, são empregados elevados recursos financeiros em armas, munições, transportes e hospedagens pelas quadrilhas, além de outras logísticas. Tais “investimentos” são celebrados e tidos como exitosos por assaltantes, quando se consegue subtrair, de seus alvos, milhões de reais em espécie. Mesmo as ações contra instituições financeiras tendo se tornado consideravelmente letais no Brasil, trata-se de um mercado ilegal antigo e consolidado. Enquanto as mentes que os planejam e viabilizam identificarem chances reais de acessar as elevadas somas líquidas, movimentadas por bancos e empresas de guarda valores, quadrilhas as mais diversas e sofisticadas irão se formar e articular engenhosos ataques.

 

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