Perícia em evidência 12/06/2024

Substâncias cáusticas e venenos como formas inusitadas de ferir e matar

Na estrutura organizacional de um Instituto de Criminalística, os laboratórios forenses adquirem posição de destaque. Essas estruturas dispõem de equipamentos sofisticados, capazes de identificar todos os tipos de substâncias, incluindo as orgânicas, inorgânicas, as consideradas entorpecentes, as tóxicas e os venenos

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Recentemente, dois casos criminais no mínimo incomuns chamaram a atenção na mídia: um no Paraná, outro no Rio de Janeiro. Em ambos, a identificação das substâncias empregadas para ferir e matar foi essencial. Os meios empregados envolviam, pela classificação da Traumatologia, as chamadas energias químicas, que incluem o emprego de substâncias cáusticas e corrosivas; e os venenos.

O primeiro caso aconteceu no dia 22 de maio, em Jacarezinho. Naquela cidade, localizada no norte do Paraná, Isabelly Aparecida Ferreira Moro, 23 anos, foi atacada quando voltava da academia. A jovem foi atingida por uma substância cáustica, lançada por uma mulher que usava peruca como um dos itens de seu disfarce no momento da agressão. A ação foi flagrada por câmeras de segurança que ajudaram a identificar a mulher inicialmente considerada suspeita. Os ferimentos incluíram externamente a região do rosto, peito e boca. Devido à ingestão da substância, ocorreram também ferimentos internos no trato digestivo, o que levou a vítima a ser internada em estado grave, recebendo cuidados numa Unidade de Terapia Intensiva. A agressora, após a identificação e prisão, explicou a motivação para o crime, a qual estaria relacionada ao ciúme de um namorado com quem a vítima teria se relacionado anteriormente. Ao acessar o celular de seu companheiro, a agressora teria encontrado mensagens trocadas com a vítima, desencadeando assim a raiva alegada.

O segundo caso envolve Luiz Marcelo Ormond, 45 anos, encontrado morto no dia 20 de maio no apartamento onde morava, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Sua morte teria ocorrido cerca de três dias antes após comer um brigadeirão envenenado. O doce teria sido dado a ele pela namorada, a psicóloga Julia Andrade Cathermol Pimenta, 29 anos. Da história macabra, desvendada pela polícia civil carioca, consta que Julia teria agido em parceria com a influenciadora Suyany Breschak, a “Cigana Esmeralda“. Tal mulher, que se apresenta como líder espiritual, seria a mentora do crime. Segundo informações, Breschak teria mais de 8 milhões de seguidores nas redes sociais. Informações divulgadas na mídia dão conta de que a namorada não só matou a vítima como permaneceu com o corpo por três dias no apartamento. Nesse período, manteve a sua rotina, inclusive indo à academia (parece que essa moda está em alta, vide nossa coluna de 29/05). A premeditação do crime e a participação de Suyane também já estariam documentadas. Uma peça-chave na investigação foi o namorado de Suyane, que afirmou que viu as duas suspeitas moendo um remédio que foi misturado ao doce achocolatado. Ambas estão presas e responderão por homicídio qualificado. Suyane será investigada também por outros crimes relacionados a fatos anteriores que agora entraram no radar.

Em uma estrutura organizacional de um Instituto de Criminalística, os laboratórios forenses adquirem uma posição de destaque. Nesses setores estão equipamentos sofisticados, capazes de identificar todos os tipos de substâncias, incluindo as orgânicas, inorgânicas, as consideradas entorpecentes, as tóxicas e os venenos.

Nestes dois casos, a identificação das substâncias envolvidas foi fundamental. No caso da jovem agredida com líquido corrosivo, a substância foi identificada como soda cáustica, nome comercial do Hidróxido de Sódio (NaOH), considerada uma base forte (e não um ácido como chegou a ser mencionado em algumas matérias ao se referirem ao líquido corrosivo). A soda cáustica, utilizada, dentre outros fins, para limpeza (desentupimento de ralos, por exemplo) pode ser comprada livremente em supermercados e outros estabelecimentos que comercializam produtos dessa natureza. No caso em evidência, a agressora comprou o produto, diluiu em água e o lançou na vítima.

No caso envolvendo o chamado “brigadeirão”, foram identificadas duas substâncias no corpo da vítima: morfina e clonazepam. No laudo do  IML, segundo divulgado pela mídia, Luiz Marcelo teria ingerido ao menos 60 comprimidos do medicamento Dimorf, que apresenta em sua formulação a morfina (um opioide) como base. Uma grande quantidade de clonazepam também foi detectada no conteúdo estomacal. Outro dado importante diz respeito à dosagem: a vítima teria ingerido dose que pode ter chegado a 480 mg de uma só vez. A prescrição máxima segura, segundo o Manual MSD (Merck Sharp & Dohme), que serve de consulta para médicos e farmacêuticos, é de 20 mg da substância a cada intervalo de três horas.

A morfina é um dos principais analgésicos do mundo, enquanto o clonazepam (um benzodiazepínico) é um medicamento empregado no tratamento da ansiedade e do transtorno bipolar, sendo indicado no tratamento de episódios graves de manias e descontrole emocional. Ambos os medicamentos são liberados para comercialização apenas com receita médica, já que as doses altas podem levar a efeitos adversos graves, incluindo coma e morte. O clonazepam pode ser comprado com receita azul, enquanto a morfina só é vendida com receita amarela (a mais estrita de todas). As investigações podem revelar também como as autoras tiveram acesso aos medicamentos.

Esses casos ilustram bem a importância dos chamados Laboratórios Forenses. Sem respostas adequadas, os exames de locais de crime e os periciais, que dependem de subsídios para suas conclusões, não teriam o alcance esperado na resolução de crimes.

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