Múltiplas Vozes 11/10/2023

Segurança Universitária, em defesa da vida

Ocorrência entre professor e aluno na Unicamp provou que a comunicação, a rápida coordenação para a resposta, e o estabelecimento da vida como prioridade a defender são aspectos mais importantes e certamente mais seguros do que uma reação armada

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Susana Durão

Professora livre docente de antropologia e coordenadora da segurança nos campi da UNICAMP (SVC – Secretaria de Vivência nos campi)

7 de outubro, um sábado sem descanso acadêmico. O WhatsApp pipocando com mensagens urgentes dos supervisores da segurança, dos grupos de colegas, funcionários e alunos da UNICAMP. Muitos acompanhamos, expectantes, aquele que se tornou um dos maiores e mais inusitados movimentos grevistas desta universidade, com apoio sindical transversal. Mas esta greve tem algo de novo. A segurança universitária passou para primeiro plano.

Terça feira, dia 3, um episódio fatídico mudou, talvez de forma irreversível, as relações entre diferentes grupos na Universidade Estadual de Campinas. No primeiro dia de paralisação estudantil, um aluno e um professor em luta foram filmados no primeiro andar do Ciclo Básico 2. O que poderia ter sido apenas uma briga embaraçante, se revelou algo muito maior. O professor de matemática estava armado com facas quando um aluno da Filosofia o interpelou para que não lecionasse a aula naquele dia. O professor reagiu e, no enfrentamento, quase atingiu o aluno, não fosse ter sido impedido, imobilizado e acalmado por dois experientes e treinados supervisores de segurança.

Assim que os estudantes gritaram: “Ele está armado, chamem os seguranças”, a vigilante de ronda ligou para o posto de comando da Secretaria de Vivência nos Campi (SVC). Imediatamente, a agente de segurança nas comunicações avisou os supervisores de serviço, que se encontravam a gerir o trânsito e os bloqueios causados pela paralisação. Os dois correram, literalmente, para o Ciclo Básico, já que tiveram que largar as suas viaturas e atravessar os bloqueios. Ambos foram na direção do “homem armado”, um pela dianteira, o outro na parte traseira. Outros dois vigilantes patrimoniais se aproximaram para dar apoio. A Polícia Militar chegou ao local 40 minutos após o incidente para conduzir o professor ao 1º Distrito da Polícia Civil de Campinas, enquanto estudantes e vigilantes seguiam na mesma direção, mas na viatura da SVC, acompanhados do coordenador de segurança. No piso térreo, estudantes gritavam na direção do professor detido: “Fascistas, não passarão!”. A coordenação dos serviços de segurança ficou clara nessa ocorrência. A vigilância terceirizada da Unicamp, com um contrato de mais de 300 pessoas e 50 postos, funcionou. Uma tragédia de grande repercussão foi abortada.

A cena violenta e o que se seguiu a ela geraram notícia e enorme repercussão midiática. Em pesquisa rápida no Google surgem quase 1500 notícias disponíveis. A indignação dos estudantes acelerou o movimento grevista que antes do evento não estava tão fortalecido. A exoneração do docente figura agora no topo da lista das exigências dos alunos. No dia seguinte ao ocorrido, o professor foi afastado das funções pelo seu diretor e o reitor fez um despacho abrindo um processo administrativo disciplinar para apuração de responsabilidades. Mas os conflitos entre professores e alunos em situação de greve têm história. Em 2016, alguns docentes da Unicamp fizeram denúncia ao Ministério Público pelo que consideravam ser abusos de estudantes grevistas. O resultado dessa queixa os deixou confiantes, porque a ação judicial resultou numa multa de R$ 30 mil reais. O multado foi um estudante que impediu e afrontou fisicamente um professor na sala de aula. Não por acaso, a decisão dessa penalidade foi anunciada exatamente no dia anterior ao confronto armado no Ciclo Básico 2 a que assistimos recentemente. E os rumores circulam; tem mais gente portando armamento no campus.

Isto nos obriga a pensar que segurança queremos nos campi universitários. Os que têm medo e repúdio pelas mobilizações estudantis e os que defendem o direito constitucional e ilimitado à greve apontam em sentido contrário. Os primeiros veem com bons olhos a Polícia Militar patrulhando os campi, e a ideia de Estado forte que a força eventualmente transmite. Se sentem mais seguros, dizem. Os segundos recusam a presença da PM em ambientes estudantis públicos que consideram politicamente visados. Muitos entre eles, por extensão, negam qualquer forma de ação de segurança nos campi, às quais chamam de forças de repressão. Ter seguranças gera insegurança, dizem. Mas ambos se equivocam.

Quando há armas e crimes envolvidos, as polícias se fazem presentes no campus, ou em qualquer lugar onde tal ocorra. Cumprem seu papel na condução, registro e averiguação de crimes. Todavia, policiais, ostensivos ou de investigação criminal armados, não devem ser convidados a patrulhar rotineiramente os campi. Por quê? A segurança universitária pode e deve ter a sua própria governança. Por isso, a UNICAMP escolheu ter um estilo de segurança preventiva, pacífica e com uma condução planejada e racional, inspirada nas teorias do Estado. Max Weber, por exemplo, um dos fundadores da sociologia no século XX, defendia que a burocracia é o meio de transformar a ação social em ação racionalmente organizada. Para ensaístas do pensamento social brasileiro, a teoria da modernidade de Weber aponta uma saída para o patrimonialismo e as feridas civilizacionais herdadas da colonização. Podemos considerar as descrições de Weber utópicas ou mesmo ideais-tipo sujeitas à imensa contradição das políticas públicas na prática. Mas na área da segurança pública, é inegável que o recurso fácil e passional à força e a exibição de razões autoritárias tem gerado demasiada dor, injustiça e mortes no país.

Precisamos evitar instrumentalizações políticas radicais da segurança. Estão totalmente errados os que defendem a repressão de Estado a qualquer custo. E são imprecisos os que sonham com o abolicionismo das organizações policiais sem nenhuma alternativa válida e comprovadamente eficaz. O modelo de segurança da UNICAMP foi desenhado para ser desarmado, é pela prevenção de acidentes e defesa da vida. Muitos imaginam ser impossível tratar do assunto da segurança sem armamento e até sem polícia. O episódio provou que a comunicação, a rápida coordenação para a resposta, e o estabelecimento da vida como prioridade a defender nestes serviços, são aspectos mais importantes e certamente mais seguros do que uma reação armada. As intervenções armadas são sempre imprevisíveis e, na maior parte das vezes, nocivas e repreensíveis. A vigilante, o posto de comando, os supervisores, os vigilantes e o coordenador, todos se puseram de acordo no essencial. A PM? Chegou depois.

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