Múltiplas Vozes 25/01/2023

Roubos importam!

Conter a violência na sociedade brasileira exige uma abordagem mais ampla do fenômeno, sem viés ideológico. O roubo, a despeito de ser crime contra o patrimônio, afeta diretamente a vida das vítimas e elas não podem ser ignoradas

Compartilhe

Luis Flavio Sapori

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública

A análise da dinâmica da violência em termos nacionais ou mesmo internacionais utiliza como principal indicador a incidência de homicídios. E as razões para tanto são plenamente justificáveis, considerando a gravidade do crime, bem como os menores riscos de subnotificação do fenômeno. Afirma-se que a violência está aumentando ou diminuindo em determinada cidade, estado ou país a depender das oscilações da taxa de homicídios. Contudo, é preciso considerar que outras modalidades criminosas são também  decisivas para o devido diagnóstico de quão violento é determinado território.  E, nesse sentido, o roubo precisa ser definitivamente incorporado às nossas análises.

O roubo é crime que, a despeito do caráter patrimonial, envolve em boa medida a possibilidade do uso da força física contra a vítima. Não é casual que a arma de fogo seja o instrumento comumente empregado para viabilizar esse intento criminoso, podendo culminar na morte da pessoa que está sendo subjugada. O roubo, portanto, está estreitamente relacionado a outro crime muito grave,  o latrocínio, que permanece concebido juridicamente como crime contra o patrimônio.

Não há como ignorar o fato de que não é apenas o patrimônio  da vítima que está em jogo nesse crime. Sua integridade física e psicológica é também diretamente afetada. Ameaçar a vítima e impor-lhe medo durante o ato são procedimentos recorrentes na ação criminosa. Esse aspecto permite-nos compreender a estreita relação do roubo com o sentimento de insegurança das pessoas.  Estudo realizado por Arthur Trindade e Marcelo Durante analisou o medo do crime e a vitimização criminal entre os moradores do Distrito Federal no biênio 2015 e 2016. Concluíram que o sentimento de medo apenas tem correlação com a vitimização por roubo comparativamente a outras modalidades criminosas. Se o medo é subjetivo, afirmam os autores, suas consequências são objetivas. O medo tem afetado a saúde, a economia, a sociabilidade e as expectativas políticas. Apesar de os dados analisados mostrarem o quanto o medo é marcante na vida das pessoas,  é inequívoco que  ele não guarda necessariamente relação com a criminalidade em geral, em especial os homicídios.

Essa evidência empírica é contundente. As pessoas no dia a dia das nossas cidades têm mais medo de serem roubadas do que serem assassinadas. Pesquisa recente do Instituto Datafolha junto a moradores das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo obteve resultado semelhante. Segundo o levantamento, o roubo de rua é o crime que mais causa medo entre os moradores das duas cidades: 57% dos moradores de São Paulo e 64% do Rio de Janeiro disseram sentir muito medo de serem assaltados na rua. Em São Paulo, 42% dos moradores declararam ter muito medo de serem assaltados em casa. No Rio de Janeiro esse percentual é de 43%.

E os dados disponíveis sustentam tal medo de vitimização, revelando quão grave é a situação dos roubos na sociedade brasileira. Segundo o Anuário  Brasileiro de Segurança Pública 2022, foram registrados pouco mais de 970 mil roubos em todo o país no ano de 2021, sendo que  quase a metade envolve roubos a transeuntes. Em termos de taxa, o país encontra-se no patamar de 456 roubos por 100 mil habitantes, o que é bastante elevada comparativamente  à incidência internacional dessa modalidade criminosa. Conforme dados disponibilizados pelo UNODC, é possível afirmar que o Brasil encontra-se entre os países mais violentos do mundo no que diz respeito aos roubos.

O objetivo precípuo de uma política de segurança pública não pode se resumir à redução da taxa de homicídios. A definitiva inserção dos roubos no rol dos crimes a serem contidos é imprescindível. Essa lacuna ajuda-nos a compreender a aparente contradição de estados brasileiros que conseguiram reduzir de maneira expressiva a incidência de homicídios nas últimas duas décadas, porém, o sentimento de insegurança permanece bastante elevado no seio da população. O estado de São Paulo é sintomático nesse sentido.

O momento é oportuno para esse upgrade nas políticas estaduais bem como na política federal de segurança pública. Conter a violência na sociedade brasileira exige uma abordagem mais ampla do fenômeno, sem viés ideológico. O roubo, a despeito de ser crime contra o patrimônio, afeta diretamente a vida das vítimas e elas não podem ser ignoradas. Não podem permanecer como meras vítimas ocultas da violência, conforme já destacaram Glaucio Soares e Dayse Miranda em livro sobre o tema.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES