Italo Barbosa Lima Siqueira
Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É pesquisador do Laboratório de Gestão de Políticas Penais (LabGEPEN/UnB) e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC)
Marcadas pela força das narrativas, as eleições de 2022 aqueceram o debate sobre as políticas criminais e penais no País. Sem novidades: propostas de incremento de recursos tecnológicos, inteligência policial e integração das forças de segurança para fazer frente aos grupos criminais que atuam nas zonas fronteiriças do País. Entretanto, o endurecimento das penas ressurge como reposta simplista para a segurança pública.
O tema não é propriamente uma inovação na política brasileira. Nem seria exato argumentar por uma exclusividade de políticos de direita. Em debate televisivo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lembrou que seu governo criou o Sistema Penitenciário Federal (SPF/Decreto n.º 6.049/2007), anunciado em 2003 e implementado, de fato, no ano de 2006.
Previsto na Lei de Execuções Penais (Lei n.º 7.210/1984) e na Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990), e de responsabilidade do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o SPF é mantido pela União para alocar em regime de segurança máxima detentos tidos como potenciais riscos à ordem nos presídios estaduais. Antes da sua criação, era comum governadores solicitarem transferências entre os sistemas estaduais.
Nas últimas décadas, seguindo os anseios de diferentes segmentos sociais, o rito legislativo avançou em leis e esforços governamentais de reforço do horizonte encarcerador e punitivo do Estado brasileiro. Todavia, a revisão da imputabilidade de crianças e adolescentes é alvo de inconciliável polêmica no legislativo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990) define as medidas socioeducativas aplicadas segundo a gravidade do ato infracional, prevendo garantias mínimas de proteção infanto-juvenil. Para políticos conservadores com viés punitivista, é um entrave para a pauta de endurecimento penal.
Logo, diversos senadores pautaram, por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a revisão da imputabilidade penal. A PEC n.º 20/1999, de José Arruda (PSDB/DF), considerava penalmente imputáveis maiores de 16 anos; a PEC n.º 90/2009, de Magno Malta (PL/ES), buscou tornar imputáveis os maiores de 13 anos acusados de crimes hediondos; a PEC n.º 74/2011, de Acir Gurgacz (PDT/RO), propôs a idade penal para 16 anos em caso de crimes de homicídio doloso e latrocínios; e a PEC n.º 83/2011, de Clésio Andrade (PL/MG), em sua ementa, definia a maioridade civil e penal aos 16 anos.
No período eleitoral, em 2014, o candidato Aécio Neves (PSDB) defendeu a proposta do seu colega de chapa, Aloysio Nunes (PSDB), autor da PEC n.º 33/2012, que reduziria a maioridade penal para 16 anos em caso de cometimento de crimes hediondos. À época, a proposta enfrentou forte oposição, resultando na rejeição na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Na atualidade, pelo menos duas propostas seguem em tramitação no Senado Federal. Oriunda da Câmara Federal, a PEC n.º 115/2015, de Benedito Domingos (PP/DF), aprovada na madrugada de 2 de julho de 2015, prevê a redução da maioridade penal para 16 anos em caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Em outra proposição, de iniciativa de ampla lista suprapartidária, de centro e direita, a PEC 21/2013 aguarda designação de relator na CCJ, tendo como ementa a redução da maioridade penal para 15 anos.
Em 2022, o pânico moral tomou o debate público de modo eficaz e reavivou a proposta de redução da maioridade penal. O espectro político de direita retomou falas públicas em defesa da redução da maioridade penal para 16 anos, como proposta de enfrentamento à violência nos centros urbanos.
Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR) argumentou em sua propaganda eleitoral que adolescentes de 16 anos exercem o direito ao voto e, portanto, teriam capacidade de discernimento, prometendo esforços legislativos para a redução da maioridade penal. A defesa da mesma proposição teve eco em diversas falas de campanha de Jair Messias Bolsonaro (PL), defensor histórico de pautas radicais de endurecimento penal.
Do outro lado, no espectro político de centro-esquerda, a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, evidentemente, é contrária à redução da maioridade penal, concentrando propostas que incluem o combate aos grupos criminais nas fronteiras, a recriação do Ministério da Segurança Pública, capacitação dos servidores e o fomento do Sistema Único de Segurança Pública.
As propostas de aumento de penas e de novas tipificações, além de redução da maioridade penal, desaguam e agravam as dificuldades crônicas para administrar os sistemas prisionais que podem ser ilustradas pelos massacres prisionais da década de 2010, pelos baixos índices de oportunidade de trabalho e de educação nas prisões brasileiras e pelas condições desumanas e violentas cotidianamente noticiadas.
Requerido pelo PSOL, o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/2015, reconheceu o estado de coisas inconstitucional (ECI) no sistema prisional brasileiro. A decisão permitiu ao Poder Judiciário tomar providências importantes para a redução da superpopulação prisional e reversão das condições degradantes de encarceramento.
Sem embargo, o Brasil é exemplar na concepção que vincula a prisão à imposição de sofrimento para delinquentes. Conforme demonstrou o antropólogo francês Didier Fassin, na obra “Punir: uma paixão contemporânea”, seria equivocada a tentativa de opor punição e vingança para estabelecer algum tipo de virtude na aplicação do sofrimento da pena. Afinal, pune-se para castigar.
Ao que tudo indica, a despeito dos resultados majoritários, o ano de 2023 será desafiador para as políticas públicas de consolidação do sistema de garantia de direitos humanos no campo penal.