Marcos Vinicius Oliveira de Almeida
Coronel da Polícia Militar do Amazonas e Secretário de Estado de Segurança Pública do Amazonas
Cesar Maurício de Abreu Mello
Coronel da Polícia Militar do Pará e doutor em Ciências pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/UFPA
Há um consenso sobre a dificuldade de combater a criminalidade no Brasil. Entretanto, quando o cenário é a Amazônia, os desafios se multiplicam e as nuances se intensificam. Abordar as particularidades da Amazônia é crucial, mas exige mais do que uma compreensão superficial e o caminho para o entendimento do problema passa, necessariamente, pelas respostas a duas outras questões não menos importantes: a) de que Amazônia estamos falando? e b) que tipos de crimes vamos enfrentar?
Para quem jamais esteve na Amazônia, debater a região parece simples. Diariamente, jornalistas, acadêmicos e “especialistas” emitem opiniões e até propõem soluções, muitas vezes ancoradas em visões limitadas ou visitas curtas. Em uma Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, na cidade alemã de Bonn, por exemplo, um renomado pesquisador estrangeiro sugeriu a remoção de todos os não-nativos da Amazônia como solução definitiva. No mesmo evento, um policial brasileiro, doutor por uma universidade europeia, foi apresentado como “especialista” em Amazônia. Em seu currículo, lido durante sua apresentação, constavam três operações contra garimpos ilegais como prova de “experiência” na região.
Tais exemplos não são citados com intenção de desmerecer esforços acadêmicos e profissionais. Contudo, ilustram como a complexidade amazônica desafia qualquer perspectiva simplista. A criminalidade na Amazônia envolve uma multiplicidade de variáveis e fenômenos que, vistos de fora, correm riscos de generalização e de má interpretação.
A complexidade geográfica é um fator central. Imaginar um posto de fiscalização às margens de um “rio” é diferente de navegar pelo rio Amazonas, cuja largura em certos trechos impede que se veja a outra margem. Caminhar pela floresta densa, com relevo acidentado, revela uma Amazônia que escapa a qualquer interpretação distante e genérica.
A visão de uma Amazônia uniforme subestima a diversidade cultural, geográfica e econômica da região. A “Amazônia Legal” brasileira, um conceito administrativo que abarca mais de cinco milhões de quilômetros quadrados – metade do território nacional –, inclui a Amazônia Ocidental (Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima) e a Amazônia Oriental (Amapá, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Maranhão). Ao abordar uma área tão vasta e heterogênea como uma unidade, governos e planejadores ignoram a realidade de diferentes estados.
No Pará, por exemplo, helicópteros são eficientes para operações policiais. No Amazonas, no entanto, a ausência de infraestrutura logística para abastecimento limita seu uso a Manaus, capital do estado. Da mesma forma, bases flutuantes de segurança, que no Pará se situam perto de cidades das quais utilizam eletricidade, internet, comunicação e facilidades de transporte de pessoal, no Amazonas precisam ser totalmente autossuficientes em termos de energia, propulsão, alimentação, comunicação e logística, o que acarreta custos operacionais muito mais elevados.
As disparidades geográficas, populacionais, culturais e ambientais moldam as estratégias de segurança. Em uma região onde o acesso é difícil e as demandas por recursos são elevadas, a tentativa de implementar soluções universais esbarra na realidade amazônica. As estruturas, métodos e prioridades aplicados em uma área muitas vezes são ineficazes em outra.
Outro fator central é o tipo de crime. Exploração de garimpo ilegal, desmatamento criminoso, tráfico de drogas, biopirataria e criminalidade urbana exigem respostas diversas. Cada crime demanda recursos distintos – financeiros, logísticos e humanos –, além de uma compreensão da paisagem local. A biopirataria, por exemplo, envolve rotas de difícil acesso, enquanto o tráfico de drogas frequentemente utiliza rios como vias principais, o que exige operações integradas de polícia e fiscalização.
O perigo de estratégias homogêneas é que tratam a Amazônia como um todo, sem considerar que crimes e criminosos se adaptam às particularidades de cada sub-região. Imposições externas que ignoram essas nuances não apenas falham como potencializam o problema.
Para que qualquer iniciativa tenha sucesso, a participação dos atores locais é fundamental. Os governos estaduais, em particular, enfrentam realidades de financiamento e logística que são ignoradas por políticas centralizadas e pouco alinhadas às especificidades regionais. O Amazonas, por exemplo, despende milhões de reais por mês em operações de segurança que, sem apoio federal consistente, podem se tornar insustentáveis.
Dado o custo e a complexidade de operações de segurança na Amazônia, políticas públicas bem-sucedidas demandam que vozes locais sejam ouvidas e incorporadas ao planejamento. Em uma batalha que influencia diretamente a soberania nacional, os recursos destinados precisam refletir a dimensão dos desafios amazônicos.
Em resumo, a Amazônia exige um enfoque específico. Simplificar ou homogeneizar questões regionais não faz jus à complexidade e profundidade dos desafios locais. Ignorar a voz dos atores locais e as particularidades regionais, longe de facilitar o enfrentamento do crime, apenas perpetua um ciclo de ineficiência e desgaste.
As discussões sobre criminalidade na Amazônia devem começar pela compreensão das singularidades regionais e pela adequação de estratégias às realidades locais. Só então será possível enfrentar a criminalidade de forma eficaz e, em última instância, proteger a soberania brasileira.