Polícias são derrotadas pela agenda bolsonarista na área de Segurança
Os resultados da eleição no último domingo ampliaram a chamada bancada da segurança pública no Congresso Nacional. E o foco dos policiais eleitos passa longe, com poucas exceções, das condições de vida e trabalho de tais profissionais
Renato Sérgio de Lima
Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Os resultados da eleição no último domingo ampliaram a chamada bancada da segurança pública no Congresso Nacional, saindo de 28 deputados na atual legislatura para ao menos 38 membros a partir de 1º de janeiro de 2023. À primeira vista, se nos detivermos nos nomes dos eleitos, a eleição nos mostra que o bolsonarismo “colonizou” as candidaturas policiais e pode ter impacto significativo sobre a agenda sindical da categoria, que deverá permanecer estagnada nos próximos quatro anos. O foco dos policiais eleitos passou longe, com poucas exceções, das condições de vida e trabalho de tais profissionais.
A explicação, neste caso específico, não pode ser buscada dentro das polícias, mas surge como um reflexo de um processo maior no cerne das corporações, cujos líderes sindicais e de associações radicalizaram-se e atrelaram-se ao projeto bolsonarista de poder. Com isso, o discurso predominante era o da agenda de Bolsonaro e não o das demandas da categoria. Vários líderes tradicionais buscaram ajustar seus discursos para se aproximarem do bolsonarismo e serem vistos como aliados fiéis.
Mesmo assim, algumas figuras bastante conhecidas do sindicalismo policial e que ocupavam posição de destaque como defensores do trabalho de diferentes carreiras policiais não tiveram seus mandatos renovados. Um caso bastante emblemático é o do Subtenente Gonzaga (PSD/MG), que não se reelegeu apesar de todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos na Câmara dos Deputados em prol dos praças das Polícias Militares. Mas não foi só ele. Do campo conservador, também não se reelegeram Delegado Waldir (UB/GO) e João Campos (Rep/GO), este último relator da proposta de Lei Orgânica das Polícias Civis, que saíram candidatos ao Senado por Goiás sem sucesso – dos nomes tradicionais da pauta corporativista no Congresso, apenas Capitão Augusto (PL/SP) foi reeleito e Alberto Fraga (PL/DF) foi eleito após quatro anos afastado.
Entre os não policiais, chama atenção que dentre os que tiveram destaque na discussão sobre a redução de danos do pacote anticrime, em 2019, Margarete Coelho (ex-coordenadora do Grupo de Trabalho que avaliou o pacote do então ministro Sergio Moro), também não conseguiu se reeleger, mesmo sendo uma das parlamentares mais atuantes da atual legislatura na construção de políticas de enfrentamento da violência contra a mulher e na revisão do Código de Processo Penal e no Código Eleitoral, que previa quarentena para policiais, juízes e membros do Ministério Público poderem se candidatar a cargos eletivos. E o caso dela chama ainda mais atenção pelo fato de Coelho formar o grupo da máxima confiança do Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP/PI), e do Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PL/AL). Mas isso não impediu que sua candidatura tenha sido abatida por ela ter feito um mandato pautado em diálogos e em políticas públicas quando o ambiente de guerra de narrativas parece vencer.
Dito de outra forma, fica evidente a perda de espaço do campo conservador não radicalizado nas eleições. Candidatos que não professaram sua fé irrestrita na liderança e na pauta de Jair Bolsonaro foram sendo ejetados. A segurança pública ficou circunscrita a temas externos aos problemas das corporações e, ao menos no caso de São Paulo, há uma tendência adicional que reforça esse movimento: o estado elegeu 7 policiais, sendo 5 delegados e 2 oficiais, sendo que um dos delegados tem a pauta do meio ambiente e defesa dos animais como foco. Outro foi eleito na chave do movimento armamentista e não difere do perfil mais amplo desse grupo. O restante, três delegados e um oficial da PM, são versões repaginadas para redes sociais de um fenômeno muito antigo, que é o da espetacularização da atividade policial, que nos anos 1980 teve nos programas de Gil Gomes e Afanásio Jazadi seus momentos de glória. O meio de transmissão mudou, mas o fenômeno é o mesmo.
A pauta da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, por exemplo, só deve avançar em temas corporativistas se as polícias se entenderem entre si. A exemplo do que ocorreu desde 2019, o governo vai manter o discurso de que apoia as polícias. Mas não há dúvida de que o foco será a agenda bolsonarista de armas, excludente de ilicitude, redução da maioridade penal e afins. Ao que tudo indica, propostas sobre as condições de vida e trabalho dos policiais perderão tração após os resultados de domingo, inclusive nas assembleias estaduais, sendo substituída pela agenda da “arma, ‘liberdade’ e luta contra o mal”.
Há, em suma, um equívoco tático dos policiais que confunde o cotidiano da atividade policial com projetos políticos de poder. O foco na profissionalização cede espaço para o espetáculo e a profissão cega de fé. Por essa razão, é necessário que a sociedade perceba que não deve dar foco excessivo nos aspectos internos e de gestão das forças policiais, mas valorizar reestruturação das carreiras e propostas efetivas de mudança da área. É preciso tratar segurança como um direito fundamental.