Polícias e enfrentamento ao terrorismo político; o inimigo agora é outro
É preciso salientar que há crenças subjacentes nas corporações que podem comprometer o enfrentamento do terrorismo de cunho político. Trata-se do fato de que existe, em boa parte delas, notadamente as militares, adeptos às ideologias da extrema-direita, com ênfase nos temas conservadorismo, nacionalismo, autoritarismo
Alexandre Pereira Rocha
Doutor em Ciências Sociais pela UnB. Policial Civil no Distrito Federal. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No último dia 13 de novembro, explosões ecoaram na Praça dos Três Poderes, na Capital Federal. Em consequência, um homem morreu, justamente o responsável pelo ato. O fato ficou conhecido como o caso do homem-bomba. Esse repertório de ficção, na verdade, foi mais um atentado ligado ao radicalismo político e logo foi classificado por autoridades como terrorista. Diante disso, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, anunciou a criação de uma unidade antiterrorista no Distrito Federal, no âmbito da Polícia Civil (PCDF). Mas será que as corporações policiais estão dispostas a lidar com o terrorismo, principalmente o de matiz político?
Na legislação brasileira, o terrorismo é repudiado, como está previsto na Constituição Federal. Trata-se crime hediondo, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Particularmente está disciplinado na lei nº 13.260 de 2016. Essa norma elenca alguns atos como terroristas, por exemplo: uso ou ameaça mediante explosivos e substâncias tóxicas capazes de gerar danos ou destruição em massa, sabotar funcionamento de serviços públicos, entre outros. Além do mais, a referida lei tipifica o terrorismo como a prática dos atos mencionados por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado.
Vale assinalar que essa legislação não apresenta taxativamente a motivação política. Isso tem gerado celeuma no meio jurídico e político. Todavia, o ataque do homem-bomba tem sido apontado como terrorista, sobremodo por ministros do Supremo Tribunal Federa (STF)[i]. Nesse sentido, a Polícia Federal abriu investigação para apuração daquele ato. Ademais, ressalta-se que na apuração do fatídico episódio de 8 de janeiro, no inquérito de nº 4.879/DF, o ministro Alexandre de Moraes enquadrou os atos de violências como terrorismo, por entender que as motivações políticas também poderiam envolver ou englobar uma das razões previstas na Lei nº 13.260/2016[ii].
A despeito das controvérsias sobre o escopo da lei nº 13.260/2016, é fato que os recentes acometimentos de teor político têm adotado estratégias terroristas. Nessas condições, podem ser tipificados como crime de terrorismo. Diante disso, as polícias têm sido convocadas a refletir sobre esse delito, por ser passível da atuação policial preventiva e repressiva. Por exemplo, no caso das polícias civis, por meio de arranjos de inteligência, competiria identificar planejamentos e alvos de ataques, além de operar investigações a fim de alcançar materialidade e autoria. Esse desempenho policial se diferencia das atividades da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), as quais nem sempre cabem num tipo penal. Porém, corporações e ABIN devem convergir mais na temática do terrorismo.
Na Polícia Federal, consta, como uma das competências da Diretoria de Inteligência Policial, conduzir investigações de contrainteligência, de enfrentamento ao terrorismo[iii]. Com efeito, essa corporação já possui previsão expressa para atuar contra movimentos terroristas. Por sua vez, noutras instituições, particularmente nas polícias da Capital Federal, inexistiam unidades designadas para lidar com a temática. Contudo, via Decreto nº 46.541, de 21 de novembro de 2024, o governador do Distrito Federal concretizou a proposta da criação da unidade antiterrorista. Assim, foi instituída a Divisão de Proteção e Combate ao Extremismo Violento (DPCEV)[iv], no âmbito da PCDF, com o objetivo de desempenhar atividades de inteligência policial relacionadas ao Extremismo Violento. No mesmo modelo da Polícia Federal, a unidade da PCDF se vincula à estrutura de inteligência. Portanto, lidar com o terrorismo é de competência das polícias, inclusive o de motivação política.
Nesse último caso há um detalhe que não pode ser menosprezado. Trata-se do fato de os alvos das investigações antiterrorismo poderem ser sujeitos que possuem gerência ou influência sobre as corporações. Ora, cada vez mais tem se comprovado que mentores e executores de atos extremistas e antidemocráticos ocupam campos político, militar e policial. A trama golpista que culminou no 8 de janeiro provavelmente foi meditada no Palácio do Planalto, sob supervisão do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro. Nota-se que personagens das Forças Armadas, próximas a Bolsonaro, tiveram digitais impressas num plano para eliminar adversários. Também vale recordar que, no 8 de janeiro, o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e a cúpula da Polícia Militar foram diretamente responsabilizados por participação ou negligência nos atos golpistas.
Além do mais, é preciso salientar que há crenças subjacentes nas corporações que podem comprometer o exercício delas no enfrentamento do terrorismo de cunho político. Trata-se do fato de que há, em boa parte delas, notadamente as militares, adeptos às ideologias da extrema-direita, com ênfase nos temas conservadorismo, nacionalismo, autoritarismo. Pior, é conhecida a simpatia de agentes das forças de segurança às pautas antidemocráticas expressas pelo bolsonarismo, como demonstrou a pesquisa “política entre os policiais militares, civis e federais”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)[v]. Ora, como se sabe hoje, foram justamente aquelas pautas radicais que incentivaram os atos golpistas e, inclusive, terroristas.
Enfim, o enfrentamento do crime de terrorismo é coisa de polícia, o que ganha força com estruturas especializadas, como a recém-criada na PCDF e a já existente na Polícia Federal. Todavia, é necessário observar que ataques de matiz política, sobretudo os operados pela extrema-direita, apresentam um desafio para as corporações, porquanto, possivelmente elas terão de confrontar ideais antidemocráticos dentro das próprias forças ou de setores políticos que os advogam em nome da segurança pública. Ou seja, o inimigo agora é outro, um outro não tão distante, mas talvez alguém de dentro ou de proximidade das polícias.