Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta crescimento de 360% no número de postagens com ameaças a escolas em quatro anos
Comentários que exaltam perpetradores de ataques saltaram de 0,2% em 2011, ano marcado pelo massacre de Realengo (RJ), para 21% em 2025
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Timelens
Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a empresa de monitoramento Timelens aponta que houve aumento de 360% no número de postagens com ameaças a escolas nas principais redes sociais utilizadas pelos brasileiros entre 2021 e 2025. O levantamento buscou identificar como as redes sociais lidam com os ataques violentos às escolas e, ao mesmo tempo, como questões como o bullying são tratadas no ambiente digital. Segundo a pesquisa, 90% dos conteúdos com discurso de ódio em 2023 estavam restritos à Deep Web — parte da internet que não aparece em buscas comuns. Em 2025, a exposição desse tipo de conteúdo na Deep Web caiu para 78%, sinalizando que as mensagens violentas e ameaçadoras, antes confinadas naquele ambiente fechado, agora circulam livremente, sem qualquer tipo de filtro, na web tradicional.
O levantamento mostra que, até 21 de maio deste ano, já foram contabilizadas mais de 88 mil menções diretas a ameaças contra alunos, professores e diretores nas redes sociais; como efeito de comparação, em todo o ano de 2024 esse número foi de 105.192 postagens, enquanto em 2021 mal ultrapassavam 43.830 posts – um salto que expõe, de forma clara, a urgência de ações coordenadas para conter essa escalada.
Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta sobretudo para o aumento da violência contra meninas e mulheres no ambiente digital e destaca a urgência de que se entenda a nova realidade vivida por adolescentes. “Diferente das gerações anteriores, não há separação entre o mundo online e o offline — é uma vida só, híbrida. Se não compreendermos bem essa experiência, não vamos conseguir criar respostas eficazes para protegê-las”, afirma. Para ela, enfrentar esse cenário exige responsabilidade compartilhada entre Estado, escolas, famílias e sociedade.
Outro dado chama a atenção e aponta para uma escalada acentuada na proporção de comentários com elogios aos perpetradores de ataques. Se em 2011, ano marcado pelo massacre de Realengo (RJ), 0,2% dos comentários exaltavam agressores, em 2025 essa parcela já correspondia a mais de um quinto do total (21%). Entre os elogios, preponderam aqueles direcionados a jovens que supostamente reagiram com violência após sofrerem consequências psicológicas e emocionais em decorrência do bullying.
Além disso, o estudo da Timelens aponta que 21% dos comentários hostis exaltam a postura agressora, como se o autor da ameaça merecesse aprovação — cenário que embute uma “raiva silenciosa” cada vez mais ignorada pelas plataformas. Do levantamento constam dados que mostram que a vitimização por cyberbullying atinge igualmente meninos e meninas (12% em ambos os grupos), mas são os meninos que mais infligem ofensas: 17% admitiram ter agido de forma ofensiva no ambiente virtual, contra 12% das meninas, o que sinaliza um desequilíbrio preocupante na dinâmica de ataque e defesa entre os jovens.
Para Renato Dolci, diretor de dados na Timelens, a violência digital não é mais exceção — tornou-se parte do cenário cotidiano. Ele destaca que não se trata apenas de uma tendência, mas de um novo ecossistema em que meninos solitários, hiperconectados e emocionalmente desamparados encontram nas redes um caminho que começa com acolhimento e termina em radicalização.
“Quando o algoritmo substitui o afeto e a escuta, o risco deixa de ser virtual”, afirma o diretor da Timelens. Segundo ele, a violência nas redes ganhou terreno porque encontrou público, linguagem, recompensa e impunidade. “Os jovens não estão apenas consumindo conteúdo — estão formando identidade em espaços que valorizam o exagero e a exclusão”, completa Dolci.
O estudo ainda aferiu o impacto da sexualização precoce: entre estudantes do 9º ano, a proporção de meninas que já tiveram relação sexual subiu de 19% em 2015 para 22,6% em 2019. Entre os meninos, registrou-se queda de 35% para 34,6%, o que cria pressão extra sobre eles para “acompanharem” as colegas; 95% das meninas afirmam ter ao menos um amigo próximo para desabafar, percentual que cai para 85% entre os meninos, e menos de 50% de todo o grupo dizem estar satisfeitos com a própria imagem corporal.
Segundo o levantamento, os dados mostram como a combinação de ameaças abertas, celebração da violência e insuficiente apoio emocional está corroendo a segurança e o bem-estar de milhares de adolescentes. A necessidade de ações integradas que unam escolas, famílias, plataformas digitais e poder público nunca foi tão urgente.
O pesquisador Cauê Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, salienta que o Ministério da Educação tem buscado respostas concretas para enfrentar a violência nas escolas por meio do programa Escola que Protege, que operacionaliza o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE), instituído pela Lei nº 14.643/2023.
“O programa propõe uma estratégia articulada em três eixos: a produção e difusão de conhecimento, com foco em pesquisas sobre convivência escolar; a resposta imediata com apoio psicossocial às comunidades afetadas; e o incentivo a práticas que promovem a cultura de paz”, explica Martins. Ele ressalta que a integração entre dados, políticas públicas e atuação interministerial, envolvendo MEC, MJSP, MDHC e Polícia Federal, tem sido fundamental para prevenir episódios extremos e enfrentar a presença de grupos extremistas nas redes.
Acesse o estudo completo aqui.