Múltiplas Vozes 06/09/2023

Os primeiros passos da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas

Não basta que a atividade policial na localização de um desaparecido seja restrita ao preenchimento do registro de ocorrência. Os profissionais devem ser capacitados para todo o processo

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Talita Nascimento

Graduada em Gestão de Políticas Públicas pela USP e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na última quarta-feira, 30 de agosto, Dia Internacional das Pessoas Desaparecidas, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) divulgou um novo projeto para o cumprimento da Lei 13.812/19, a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.

Estruturado em três eixos, o projeto estabeleceu, via SENASP, um acordo de cooperação com a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram. A ideia é trazer a tecnologia Amber Alerts (America’s Missing: Broadcast Emergency Response), que funciona nos Estados Unidos desde 1996, no auxílio à busca de crianças e adolescentes desaparecidos. É um alerta que indica o desaparecimento de menor de idade, cuja ocorrência se deu em circunstâncias suspeitas com riscos de lesão corporal. Faz referência ao assassinato de Amber Hagerman, em 1996, que fora sequestrada e o corpo encontrado 15 dias depois: a investigação, infrutífera na localização de possíveis suspeitos, foi posteriormente descontinuada.

Para além da cooperação, o projeto prevê a criação de um cadastro provisório, a ser incluído no Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, uma das premissas da Lei 13.812/19, que busca reunir, em nível nacional, os registros de pessoas desaparecidas. Até o momento, o único banco de dados disponível pertence ao Conselho Nacional do Ministério Público, que gere o Sinalid por meio do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID). Atualmente, 21 estados adotam o programa enquanto política de enfrentamento a este fenômeno.

Por fim, o terceiro eixo do projeto busca desenvolver um fluxo de informação com os estados. A princípio, apenas o Distrito Federal, Minas Gerais e Ceará participarão do projeto. O DF, seja pela proximidade ao MJSP, seja pelo destaque que recebe na busca de desaparecidos, como detalhado na primeira edição do Mapa dos Desaparecidos no Brasil; Minas Gerais, considerando que o REDS (Registro de Eventos de Defesa Social), o boletim de ocorrência mineiro, é um dos mais detalhados do país e sua capital, Belo Horizonte, possui delegacia especializada na busca de desaparecidos; e o Ceará, que recentemente instituiu o Comitê Estadual de Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas.

Compreendemos a escolha inicial dos estados para início do projeto, em especial o Distrito Federal, mas atentamos para uma questão que não deve ser ignorada: enquanto a variação das taxas dos registros de pessoas desaparecidas foi de 11,6% no Distrito Federal, 16,9% no Ceará, e queda de 1,2% em Minas Gerais, o estado do Amapá viu sua variação crescer em 78,4% entre 2021 e 2022, a maior do país, seguido pelo Acre, com 55,9% e Roraima, com 55,7%, como divulgado na 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A região, que compõe a Amazônia Legal, convive com sucessivos embates relacionados ao desmatamento e garimpo ilegal. Longe dos centros urbanos e de difícil acesso, é possível que o desaparecimento forçado seja prática corriqueira, para além das ocorrências de desaparecimento forçado e/ou involuntário. Observamos que o Amapá, por exemplo, cujas taxas de Mortes Violentas Intencionais (MVI) e Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) são as maiores do país, carece de capacidades institucionais e governança na segurança pública não só nos crimes contra a vida, mas também nas ocorrências de desaparecimento.

Nesse contexto, a proposta do MJSP é bem-vinda e indica os primeiros passos de cumprimento da lei. Entretanto, a integração entre as autoridades estaduais e federal, como destacamos na primeira edição do Mapa dos Desaparecidos, é essencial no processo. Neste sentido, o Governo Federal deve orientar as polícias estaduais sobre os protocolos e procedimentos necessários à investigação de desaparecidos: se faz necessário um Protocolo Operacional Padrão (POP) e os boletins de ocorrência precisam ser padronizados e preenchidos integralmente, com especial atenção às informações que individualizam a pessoa, como tatuagens e marcas de nascença.

Considerando que os boletins de ocorrência são essenciais à alimentação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, provisório ou não, os profissionais da ponta precisam ser capacitados ao seu preenchimento. Não basta que o documento de registro seja extenso se não for bem preenchido; não basta que tenhamos um grande banco de dados cujas informações não sejam passíveis de cruzamento. Mais do que isso, não basta que a atividade policial na localização de um desaparecido seja restrita ao preenchimento do registro de ocorrência. Os profissionais devem ser capacitados para todo o processo, e disso decorre a necessidade de profissionalização e atenção às particularidades de cada região, inclusive aquelas em que a alta variação nas taxas dessa ocorrência representa, praticamente, uma epidemia de desaparecidos.

 

 

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