Os desafios da segurança pública no enfrentamento à violência política no dia de votação
Às vésperas do primeiro turno das eleições, continua grande a preocupação dos brasileiros e da comunidade internacional com os contínuos ataques contra as instituições democráticas. Discursos de ódio, desinformação e incitação à violência política ameaçam o livre exercício da cidadania e a festa da democracia
Sandoval Bittencourt de Oliveira Neto
Coronel da reserva (PMPA), doutor em Sociologia (UnB), membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Pedro Paulo dos Santos Celso
Coronel Chefe do Departamento Geral de Operações da PMPA
Segundo levantamento feito pelo Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), 7 de cada 10 brasileiros disseram ter medo de agressões físicas em razão de suas escolhas políticas ou partidárias e outros 3,2% afirmam ter sofrido algum tipo de violência nos 30 dias anteriores ao campo da pesquisa, o equivalente a 5,3 milhões de brasileiros. Por medo, 9% dos eleitores pensam em se abster no dia 2 de outubro.
Diante do acirramento da violência política, as organizações não governamentais Pacto pela Democracia, FBSP, Human Rights Watch, Rede Liberdade e Transparência Internacional – Brasil tomaram a iniciativa de enviar aos Ministérios Públicos de todo o país uma carta conjunta solicitando que as autoridades exerçam suas atribuições constitucionais, enquanto defensoras do regime democrático.
A iniciativa tem como objetivo acionar os Procuradores-Gerais Eleitorais dos 26 estados da federação e do Distrito Federal para que os Ministérios Públicos exerçam o controle externo das forças de segurança pública e cobrem das organizações os planos operacionais para o dia de votação, de modo a garantir a segurança dos eleitores, mesários e da população em geral, no contexto das eleições.
Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigos 118 a 121, cabe à Justiça Eleitoral organizar e fiscalizar as eleições. O art. 118, I a IV, CF, estabelece que a Justiça Eleitoral é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE), pelos juízes eleitorais e pelas juntas eleitorais.
Doutrinariamente, a Justiça Eleitoral desempenha quatro funções: jurisdicional, administrativa, normativa e consultiva. Dentre essas, a função administrativa é a que está relacionada diretamente à preparação, à organização e à administração do processo eleitoral.
Para o bom exercício da função administrativa, a Justiça Eleitoral necessita do auxílio de outras instituições. O Código Eleitoral (lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) prevê expressamente que a competência para requisitar auxílio de força pública; em seu art. 23, XIV, a lei utiliza a expressão “força federal”, já no art. 30, XII, emprega apenas a expressão “força”.
Afinal, como andam os preparativos das forças às vésperas do dia da votação?
Atendendo à Justiça Eleitoral, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria de Operações Integradas, colocou em atividade desde 26 de agosto, em Brasília, o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional (CICCN) voltado ao acompanhamento, análise e pronta resposta, em tempo real, da segurança pública durante o primeiro turno das eleições. Fazem parte do CICCN: TSE, Ministério da Defesa, Polícia Federal e Rodoviária Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e Militar, e Corpo de Bombeiros Militar.
Centros Integrados de Comando e Controle (CICC) interligados ao CICCN foram replicados nos estados, contando com representantes do TSE, Forças Armadas, Polícia Federal e Rodoviária Federal, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Guarda Municipal, Secretaria de Mobilidade Urbana etc.; nos estados com grande população ou extensão territorial, a exemplo do Pará, decidiu-se espraiar ainda mais a rede, estabelecendo centros de comando e controle em suas regiões integradas da segurança pública, visando o acompanhamento do dia de votação com maior proximidade para melhor comunicação e rápida resposta aos eventos.
Considerando que são muitas as instituições que prestam valiosa colaboração à Justiça Eleitoral para a segurança das eleições, vejamos, sucintamente, a participação das organizações de maior efetivo, isto é, as Forças Armadas (FFAA) e as Polícias Militares (PPMM).
Desde a volta da democracia, as FFAA desempenham um formidável papel nas eleições, transportando as urnas eletrônicas para os rincões do Brasil profundo e participando da fiscalização do processo eleitoral. O que não compreende, de modo algum, o exercício de função fiscalizadora do sistema eletrônico de votação ou validadora das eleições.
O próprio Ministério da Defesa ratifica esse entendimento, asseverando que as FFAA permanecerão pautando a sua atuação pela estrita observância da legalidade, pela realização de um trabalho técnico e pela colaboração com o TSE, associadas à Comissão de Transparência das Eleições e atuando em Comandos Conjuntos.
Por sua vez, as PPMM se mostram colaboradores essenciais do processo eleitoral em razão da vantajosa condição de força estadual de segurança pública de maior capilaridade, por conta do efetivo, da ostensividade e da inserção territorial e comunitária.
Em linhas gerais, as PPMM estão se organizando para o dia da votação, em prol de eleições pacíficas, atualizando o planejamento bem-sucedido do pleito anterior, de 2018. Como de praxe, as clássicas variáveis foram elencadas: quantidade de votantes; quantidade de seções eleitorais; distância entre a seção eleitoral e a unidade policial (sem olvidar dos casos, como na zona rural, em que a realização de ronda ostensiva se torna inviável e, assim, faz-se necessária a presença policial permanente durante o funcionamento da seção); efetivo policial militar lotado no município; aporte de jornadas extraordinárias para recobrimento com policiais de folga; necessidade de aporte de tropa federal.
Comumente, o aporte de tropa federal se faz necessário nos municípios que apresentam dificuldades logísticas e operacionais decorrentes: do isolamento geográfico; da concentração de população tradicional (quilombola, indígena, ribeirinha etc.) ou em vulnerabilidade social; do histórico de grave violência política.
Nesse sentido, a perfeita integração entre as forças é crucial para o bom andamento das eleições. Inobstante, a pouca clareza sobre o emprego do efetivo persiste como o maior entrave no planejamento. Todavia, a experiência acumulada em eleições passadas facilita aos comandantes antever os riscos da eventual falta ou emprego inusual de efetivo e, assim, prudentemente, adotar providências para o recobrimento.
O planejamento das forças de segurança pública para o primeiro turno das eleições enfatiza a atenção em relação ao uso dos aparelhos celulares (permitidos nas seções eleitorais, mas que deverão ser depositados pelos proprietários eleitores num receptáculo específico, distante da cabine de votação) e ao porte de arma de fogo por policiais federais, civis e militares e demais autoridades que poderão votar armados, desde que esclarecida e comprovada a condição “de serviço”. Não será permitido ao policial de folga nem ao atirador/colecionador (CAC) adentrar com arma na seção. Há expectativa da lavratura de alguns Termos Circunstanciados de Ocorrência por conta da tentativa de desobediência ao regramento.
De toda sorte, nota-se que as providências estão sendo tomadas com profissionalismo e que as organizações da segurança pública se esforçam para assegurar um dia de votação tranquilo. Ademais, de acordo com o Datafolha, 78% dos brasileiros já estão totalmente decididos sobre seu voto. A despeito da desinformação maliciosa, ao que tudo indica, não há mais espaço para reviravoltas nem outras vias.
Só nos resta, então, propagar a mensagem cívica do FBSP e da RAPS, e desejar que a esperança vença o medo e que todos compareçam à sua seção eleitoral!