Perícia em evidência

O que faz um geólogo na perícia?

Já respondi essa pergunta inúmeras vezes, mas segue sendo importante explicar que o curso de geologia, todo baseado em matemática, física, química e geologia, contribui enormemente para o desempenho do trabalho pericial

Compartilhe

Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Entre as diversas áreas de conhecimento aplicáveis ao universo forense, sempre com o mesmo enfoque de atuar na resolução de casos judiciais (criminais e cíveis), uma em especial foi para mim o portal de entrada para esse mundo: a geologia. Sim, essa ciência natural e exata que tem como objetivo o entendimento de todos os fenômenos relacionados à dinâmica do planeta.

Mas como compreender exatamente o papel que a geologia pode desempenhar quando falamos sobre perícia? Do próprio conceito de geologia?

Geologia é a ciência responsável por estudar a origem, a história, a composição, características do planeta Terra, estrutura e evolução, por meio do entendimento dos processos internos e externos responsáveis por suas transformações.”

O conceito por si só não remete necessariamente à compreensão de como essa ciência pode efetivamente auxiliar em demandas judiciais envolvendo crimes ou não. Desde o início do desempenho de minhas funções como perito criminal algumas das perguntas mais frequentes que respondia eram: o que um geólogo fazia na perícia?  Por que  precisam de geólogos no Instituto de Criminalística? O que tem a ver geologia com perícia?

Pois bem, vamos tentar responder essas perguntas na coluna de hoje e trazer casos concretos em que fica clara a contribuição dessa ciência para o mundo forense.

Gosto sempre de iniciar essa argumentação pensando na questão do perfil daquele que inicia suas atividades como perito criminal. Atualmente, na maioria das unidades da federação, os concursos públicos para peritos oficiais trazem a previsão de vagas separadas por formação acadêmica e a geologia é uma das formações previstas. Mesmo antes de se estipularem vagas especificamente para o curso superior de geologia, este curso já fazia parte do rol dos cursos superiores que permitiam o acesso ao concurso. Importa destacar que o curso de geologia, na forma como está estruturado, acaba sendo um dos mais indicados em relação ao que é o perfil de um perito. O curso é todo baseado em matemática, física, química e geologia. Todas elas ciências naturais que desde sempre fizeram parte do arcabouço da criminalística. Além disso, são temas que um geólogo não aprende apenas superficialmente, e, portanto, esse aspecto eclético nascido de sua formação acadêmica acaba por ajudar demasiadamente o desempenho da função pericial, uma vez que a vida de um perito é “resolver problemas”, dos mais variados tipos, nos mais diversos assuntos. Portanto o perito com formação em geologia pode atuar muito bem em qualquer das áreas que não dependem exclusivamente de uma área de formação, por exemplo a perícia de local, a perícia de trânsito, a perícia de documentos, dentre tantas outras.

Seguindo com a argumentação, podemos citar algumas perícias específicas que dependem exclusivamente do conhecimento de um geólogo para que possam ser realizadas a contento:

– Perícia de identificação de gemas: pedras preciosas e semipreciosas que são objeto de exames para que possam ser identificadas quanto à natureza (naturais, imitações) e também quanto a sua valoração (avaliações de mercado);

– Perícias de solo: o solo pode ser uma evidência importante em determinados casos. Poder identificar um material presente em uma veste, um pneumático de veículo, em um calçado, ou qualquer outro objeto, pode permitir a correlação de um determinado solo de um local específico, ou mesmo com outros materiais da mesma natureza. Falamos aqui na correlação entre um vestígio e seu local de origem, ou mesmo entre vestígios encontrados em vítimas e suspeitos;

– Perícias de meio ambiente: quando o tema requer a análise geológica do terreno ou mesmo a compreensão de processos que ocorrem na superfície do planeta (exemplos: intemperismo, desagregação de rochas, movimentação de massas em terrenos acidentados);

– Perícias em arqueologia forense: a remoção de corpos enterrados em covas clandestinas (não oficiais) requer o emprego de técnicas de arqueologia forense. A análise do perfil de solo no local é considerada uma ferramenta importante que deve fazer parte do protocolo do exame pericial neste tipo de local de crime.

Para ilustrar com um caso recente, podemos citar o acidente que aconteceu recentemente na represa de Furnas (MG), no município de Capitólio. No acidente, grandes blocos rochosos se desprenderam da encosta num ponto do lago explorado para o turismo. Dez pessoas foram a óbito. A polícia instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias e a perícia foi acionada.

Em seu laudo os peritos não identificaram qualquer ação humana específica relacionada à queda das rochas e, portanto, o evento foi classificado como natural. Foram analisadas eventuais irregularidades ligadas a alguns empreendimentos existentes na área, mas nenhuma conexão pôde ser estabelecida com o ocorrido no lago.

A perícia serviu também para que ações preventivas possam ser tomadas para evitar acidentes futuros, não apenas na área do lago de Furnas, mas em outras localidades que exploram o turismo em condições naturais semelhantes (cânions em represas).

Pronto, acho que a resposta foi dada.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES