Múltiplas Vozes

O que esperar da agenda de armas para 2022?

A principal aposta do governo é o Projeto 3723, que aguarda votação no Senado. A iniciativa sugere até a retirada definitiva das marcações de munições vendidas às forças públicas e permitirá também período de anistia para que se "esquentem" armas irregulares com simples declaração

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Bruno Langeani

Gerente do Instituto Sou da Paz, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e mestre em Políticas Públicas pela Universidade de York. É autor do recém-lançado “Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência” (editora Telha)

O Brasil assiste a uma explosão no número de armas que entram no mercado, atingindo níveis de compra do final da década de 90, momento em que os homicídios mais cresceram no país.  Simultaneamente, o Exército Brasileiro vem testando as marcas mais baixas da série para destruição de armas. Menos armas destruídas significam mais depósitos de Fóruns da Justiça e delegacias abarrotadas de armas, facilitando a invasão de criminosos ou a ação de funcionários corruptos. Foi o que ocorreu em Pernambuco, onde, no ano passado, uma unidade da elite da Polícia Civil assistiu cinco policiais serem presos pelo desvio de 326 armas para traficantes de drogas.

Nacionalmente, arma de fogo não é uma pauta popular.  O mantra do presidente “Eu quero todo mundo armado” é reprovado por 72% da população, segundo o Datafolha. Em seu momento mais baixo de popularidade, o lógico seria Bolsonaro fugir do tema. Contudo, até o momento o presidente tem feito justamente o contrário, usa essa pauta para fidelização de seu eleitorado mais cativo. Caso decida seguir nessa estratégia e tomando em conta a média de atos editados até o momento, é de se esperar mais decretos, resoluções e portarias (até dezembro foram mais de 40). Tudo sem passar pelo Congresso, em uma estratégia que pesquisadores classificaram recentemente como infralegalismo autoritário.

Até agora, o caminho de destruição do controle no país, com facilitação de compra de armas e munições e desmonte da sua estrutura de registros e rastreamentos, tem sido relativamente tranquilo. No Congresso, a resistência imposta por alguns partidos de oposição até o momento só conseguiu gerar o recuo relativo ao decreto de maio de 2019, que tentava ampliar categorias com porte de armas. Às vésperas da votação na Câmara de um projeto que sustaria a medida, e que já havia sido aprovado no Senado, o governo recuou. Retirou esse ponto e fracionou o texto em outros três decretos, publicados em junho do mesmo ano, e ainda vigentes.

No Judiciário, a resistência foi um pouco mais bem sucedida. O segundo aumento da cota anual de munições (que liberaria 600 cartuchos por arma por ano), co-assinada pelo agora candidato Sergio Moro, foi derrubada pela Justiça Federal. A tentativa de zerar impostos para revólveres e pistolas foi também suspensa antes de vigorar. Mas ações que tratam dos decretos mais estruturantes se arrastam sem julgamento pelo Plenário. As primeiras ações foram protocoladas no primeiro semestre de 2019, foram incluídas e excluídas da pauta algumas vezes. Na última tentativa de setembro de 2021, tiveram o julgamento novamente frustrado por pedido de vistas do ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro.

No Tribunal de Contas da União, outro processo se encaminha para sua reta final. Ele trata da revogação das portarias que melhoravam a marcação de armas e munições e instituíram um Sistema Nacional para facilitar rastreamento desses itens e de outros, como explosivos amplamente usados em assalto a bancos.  Caso termine em condenação, aumentará o custo para que o Exército Brasileiro siga anuindo a todos os desejos do presidente.

Pelo processo legislativo regular, a principal aposta do governo é no Projeto 3723, já aprovado na Câmara e aguardando votação no Senado. Nas últimas semanas de dezembro, aliados do Governo tentaram votar, mas a decisão ficou para este ano. A iniciativa vem sendo vendida como “segurança jurídica” para os CACs, mas é bem mais ampla e sugere inclusive a retirada definitiva das marcações de munições vendidas às forças públicas. Permitirá também período de anistia para que se esquentem armas irregulares com simples declaração.

Segundo o levantamento feito pelos Institutos Sou da Paz e Igarapé, até novembro do ano passado, 450 mil novas armas foram registradas. Em outras palavras, a cada mês que as medidas seguem em vigor, 41 mil novas armas entram em circulação. Por isso, é de fundamental importância que a sociedade civil siga cobrando as autoridades do Legislativo e Judiciário para que analisem as medidas neste campo editadas pelo Executivo. E rejeitem novas propostas que visem ao desmonte do controle.

A única medida digna de elogio no setor é a implementação do Sistema Nacional de Análises Balísticas (SISNAB) pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Apesar de ser projeto antigo, gestões anteriores não conseguiram tirá-lo do papel. A rede com equipamentos para captura digital de padrões de projéteis e estojos tirados de local de crime pode trazer uma grande ajuda no esclarecimento de crimes para os estados que receberem o equipamento. A possibilidade do uso da mesma tecnologia em uma rede nacional é uma medida para ser celebrada e acompanhada de perto por todos os que atuam no campo da segurança pública.

 

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