Perícia em evidência 05/07/2023

“Nem todo ouro que reluz é ouro legal”: a perícia buscando soluções para o combate aos garimpos ilegais

É preciso constituir um robusto banco de dados, que permita conhecer as características químicas e físicas do ouro de uma determinada região, ou, como se diz, de uma determinada ocorrência mineral, seja uma mina ou um garimpo

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Perito Criminal Aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor da Academia da PCDF, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da PMDF. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. É também Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na última semana, durante o Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado na cidade de Belém, em pleno coração amazônico, uma das mesas discutiu um tema de grande interesse que transita em duas frentes: a ambiental e a de segurança pública; a questão dos garimpos ilegais de ouro na Amazônia. A mesa em questão trazia o título: “Garimpos do ouro no Tapajós: desafios da cadeia produtiva, de valor do ouro e da convergência de crimes no setor”.

O assunto que se apresenta está relacionado a um contexto desafiador: dados divulgados pelo Instituto Escolhas, um estudo que mapeia caminhos do comércio ilegal de ouro, apontam que o Brasil exportou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade entre 2015 e 2020. O volume corresponde a praticamente metade de todo o ouro produzido e exportado pelo país. Do volume total de ouro com indícios de ilegalidade, mais da metade veio da Amazônia (54%), principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%).

Mas qual a contribuição que a perícia pode trazer para o tema? É o que vamos descortinar na coluna desta semana.

Quando ocorre uma apreensão de ouro, como saber se esse metal veio, por exemplo, de um garimpo legal localizado no estado de Goiás, ou se veio de garimpos ilegais em Terra Yanomani ou jazidas do Rio Tapajós? A questão é: como rastrear então o ouro produzido de forma ilegal? Ele pode estar já transformado em um lingote (barra), ou mesmo ainda não ter sido beneficiado (ouro em pepitas, ouro em grãos).

A Criminalística emprega o tempo todo, como um de seus princípios basilares, o da UNICIDADE, que pode ser traduzido pela máxima: “Todo objeto no universo é único”. Partindo dessa premissa, a perícia busca identificar não apenas pessoas, mas seres, objetos, materiais. Uma vez provada a identidade de algo, ele pode ser conhecido pela sua origem. Empregam-se muitas vezes o termo “DNA” de algo. Isso ajuda as pessoas a entender a ideia por trás desse objetivo. O DNA da droga, o DNA do diamante, o DNA do ouro, são exemplos conhecidos. Não que o ouro ou o diamante tenham um código genético que os identifique, mas eles têm elementos traços (em quantidades mínimas), além de características específicas que podem ligá-los a uma fonte (local de origem). Se você é um apreciador de vinhos, certamente já ouvir falar de terroir. Pois bem, a ideia é bem próxima. Localidades específicas que produzem vinhos únicos, inimitáveis, obtidos ali devido a convergências de fatores geográficos, climáticos, históricos e culturais concentrados na região. É o “DNA” do vinho.

Parece algo fácil, não é mesmo? Só que não é bem assim. Primeiramente é preciso constituir um robusto banco de dados, que permita conhecer as características químicas e físicas do ouro de uma determinada região, ou como se diz, de uma determinada ocorrência mineral, seja uma mina ou um garimpo. A responsabilidade desse trabalho ficará a cargo da perícia da Polícia Federal e assim será produzida uma OUROTECA (banco de dados). Os peritos vão colher amostras do solo e cruzar as suas características com o ouro confiscado ou fornecido por empresas mineradoras. O ouro e as amostras de solo serão analisados por meio de equipamentos específicos em laboratórios de alto desempenho, envolvendo, dentre outros, o emprego de raios-X que medem a fluorescência dos elétrons, microscópio eletrônico de varredura (MEV), que promove a visualização do formato de grãos. A análise permite identificar se a matéria-prima foi extraída de garimpo ou de áreas de mineração industrial — o equipamento consegue revelar traços de mercadoria, entre outros elementos.

A iniciativa, que ainda está em fase de implantação, pretende contar também com acordos de cooperação para juntar amostras da Guiana Francesa, Colômbia e Peru. Amostras oriundas de apreensões e outras colhidas diretamente na fonte servirão também para a constituição desse banco de dados.

Uma consideração importante é a de que as amostras padrão serão buscadas diretamente na fonte pelos peritos criminais federais, respeitando a devida cadeia de custódia, e poderão também ser oferecidas pelas mineradoras e cooperativas garimpeiras, como prevê o projeto.

Segundo informações extraídas na mídia, uma expedição ao sul do Pará está marcada para agosto próximo para coleta de amostras. A área abriga reservas indígenas dos povos Kayapó e Mundurukus.

Confirmadas as expectativas, a iniciativa da criação dessa OUROTECA agregará um grande potencial no combate à exploração e comercialização de ouro ilegal. A Amazônia agradece!

 

 

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