Perícia em evidência 29/03/2023

Não abra o noticiário! Você pode não acreditar pertencer à espécie conhecida como Homo Sapiens

Uma discussão sempre presente entre os estudiosos polariza duas visões opostas: de um lado, uma visão positivista que considera que o indivíduo é arrastado para a desviância; de outro, uma visão construtivista, na qual a desviância é uma opção individual

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CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Como muitas vezes faço, ao buscar temas para serem abordados nesta coluna, abri o noticiário recente e me deparei com vários casos que poderiam gerar algum comentário, entretanto alguns eram mais surpreendentes que outros:

  • Suspeito de estuprar menina de 4 anos em provador de shopping é preso, diz polícia.” (26/03);
  • Eu vou morrer’, disse homem à esposa após ser esfaqueado por vizinha.” (26/03);
  • Carne humana em mala: o que se sabe do crime chocante envolvendo brasileiro.” (03/03);
  • Por não concordar com venda de gado, homem é suspeito de matar pai, irmão e idosa.” (18/03);
  • Adolescente de 17 anos é acusado de abusar da avó de 76 anos.” (25/03);
  • Madrasta de 14 anos mata enteado de 4 anos com 2 facadas.” (14/03);
  • Homem mata colega de trabalho com uma retroescavadeira.” (22/03);
  • Mulher mata mãe e filha enforcadas em MG; detalhes da história são chocantes.” (17/03).

O exercício da função de perito criminal com atuação na área de crimes contra a pessoa durante 16 anos me permitiu entrar em contato com diversos casos em que a crueldade e a extrema violência, muitas vezes associadas à surpreendente motivação do crime, acabassem por gerar questionamentos sobre o próprio limite da natureza humana em relação ao que consideramos ser uma manifestação do próprio mal. Seriam os autores desses crimes da mesma espécie dominante que habita o planeta, a chamada Homo Sapiens? Muitas vezes me fiz essa pergunta e diante do assombro que a indagação trazia, passei a buscar alguma resposta nas diversas ciências correlatas à criminalística: criminologia e psicologia forense, dentre outras.

Na busca para tentar entender a Mente Criminosa, capaz de fazer a escolha por cometer essas e outras atrocidades, conheci um conceito importante: o do comportamento desviante. Nele está contido o crime como fenômeno.

No continuum do comportamento humano vamos desde a dita “normalidade”, passando pela “marginalidade”, até alcançar o “crime”, seguindo até um extremo, a  “Patologia”.

Em criminologia, o estudo dos comportamentos desviantes é central, porque o crime é um comportamento de aspecto extremo e em alguns casos pode ser mesmo patológico, a ponto de a lei prever explicitamente sua punição.

Alguns comportamentos desviantes são de natureza psicopatológicas e nesses casos a sociedade prevê medidas sociais e legais especiais, como no caso dos indivíduos legalmente inimputáveis por razões de anomalia psíquica. Nesse extremo estão também comportamentos nos quais se enquadram maníacos, psicopatas, serial killers, tão conhecidos por cometerem alguns dos mais chocantes casos criminais que tanto nos intrigam.

Embora pessoas possam ser “arrastadas” para a desviância, é igualmente possível, e até frequente, a “escolha” pelo comportamento desviante.

Uma discussão sempre presente entre os estudiosos polariza duas visões opostas: de um lado, uma visão positivista que considera que o indivíduo é arrastado para a desviância; de outro, uma visão construtivista, na qual a desviância é uma opção individual.

Consensual é o entendimento sobre como nós, seres humanos, somos “construídos”: somos seres Biopsicossociais.

O homem é por natureza um animal social e suas ações, interações e reações só fazem sentido quando analisados no contexto da complexidade das relações sociais. O homem social é também um ser biológico, organizado fisiologicamente para sobreviver, satisfazer necessidades e adaptar-se ao meio. O entendimento de si mesmo e dos outros e os sentimentos que impulsionam em conjunto com as suas condicionantes biológicas constituem a sua dimensão psicológica”.

Tânia Konvalina-Simas in: “Introdução à Biopsicossologia do Comportamento Desviante”, 2012.

Em outras palavras, somos o resultado de nosso arcabouço genético, do meio ao qual estamos inseridos e de nossa personalidade. Essa é a dimensão de nossa complexidade.

Mesmo todas as explicações acadêmicas não são capazes de diminuir a nossa surpresa e alimentar a nossa sensação de que estamos distantes de atingir um estágio verdadeiramente humano em nossa história civilizatória. Como dizia o premiado escritor português José Saramago em um desabafo durante uma entrevista concedida no Brasil: “Não sou pessimista, o mundo é que é péssimo”.

 

Nota: Quando fechávamos esta edição, mais um exemplo capaz de causar indignação tomava as manchetes: Aluno de 13 anos mata professora e fere 5 colegas em escola de SP.

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