Maus-tratos a animais: perícia representa novo olhar sobre o combate a essa modalidade de violência no Brasil
Além de lidar com animais de estimação (cães, gatos, pássaros, cavalos e outros), o trabalho envolve as demandas relacionadas a abates de animais silvestres. Nesses casos, é necessária a participação de biólogos com conhecimento em espécies silvestres de nossa fauna
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal
Nos últimos anos temos acompanhado um número cada vez maior de manchetes sobre casos de denúncias e prisões relacionados a maus-tratos a animais. De um lado, a disseminação da criação de animais domésticos (pets) que explodiu durante a pandemia do coronavírus e revolucionou o mercado já aquecido. De outro, o aumento cada vez mais significativo do registro de ocorrências de maus-tratos que exigiram novas posturas e medidas visando coibir e punir as infrações.
A própria legislação foi adequada e as penas, ampliadas contra os infratores. Algumas capitais brasileiras já contam com delegacias especializadas no combate aos maus-tratos. No Distrito Federal existe a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA), criada em agosto de 2023, primeira do gênero no país.
A legislação vigente sobre o assunto está relacionada aos chamados crimes ambientais:
LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
- 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
- 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
- 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorre morte do animal.
Como qualquer tipo de delito, o de maus-tratos requer a produção de prova mediante realização de exames periciais. Aqui falamos de um tipo de perícia associada à Medicina Legal Veterinária. São peritos criminais oficiais, com formação em medicina veterinária, que, incorporados aos corpos técnicos dos Institutos de Criminalística, passaram a exercer essa modalidade de perícia.
A adequação, contudo, ainda está em curso, uma vez que, além da Polícia Federal, que conta com peritos com essa formação, poucos são os estados nos quais já existem peritos concursados para suprir essa demanda. A adequação passa pela disponibilização de vagas específicas nos concursos, além de curso de formação que permita o desempenho da atividade desses profissionais. Por conta dessa dificuldade, alguns estados buscaram parcerias em suas estruturas para utilizar peritos ad hoc (peritos nomeados) lotados em outros órgãos, como, por exemplo, vigilância sanitária, na tentativa de suprir uma demanda imediata.
Os peritos criminais oficiais com formação médica em veterinária realizam diversos tipos de exames: necrópsias no caso de óbitos de animais, exames em maus-tratos de animais (espécimens vivos), o que inclui avaliações clínicas e comportamentais. Exames de laboratório também são importantes, como análise de tecidos, fluidos e órgãos, por meio de técnicas como histopatologia, toxicologia e exames laboratoriais, que são cruciais para determinar a causa da morte e identificar possíveis maus-tratos.
Para cumprir com qualidade a demanda será preciso ainda que os órgãos periciais se ajustem em relação à estrutura física para a realização desses exames, uma vez que ainda não existem salas específicas de exames em animais vivos e salas de necrópsias veterinárias. Muitas vezes os órgãos têm improvisado e até mesmo a estrutura dos IML’s vêm sendo utilizadas, o que está longe de ser o ideal.
Além de lidar com animais de estimação (cães, gatos, pássaros, cavalos e outros), o trabalho envolve as demandas relacionadas a abates de animais silvestres. Nesses casos, é necessária a participação de biólogos com conhecimento em espécies silvestres de nossa fauna, buscando uma correta identificação, o que muitas vezes é dificultado por se tratar de material apreendido com caçadores. Pode haver carcaças já manipuladas, algumas vezes até mesmo congeladas. Nesses casos, são empregados também exames de laboratório, incluindo os de DNA.
Novos tempos, novas demandas, novos profissionais, novos exames. É assim que avançamos!