Informações e atendimento integral na Segurança Pública
Hoje há dados a serem trabalhados, mas falta cultura organizacional racional fundamentada em dados e com métodos e protocolos sistêmicos, integrando as agências de segurança pública com o sistema de saúde, assistência social, entre outros
Gilvan Gomes da Silva
Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Nacional de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Geralmente os pedidos de ajuda para o telefone de emergência das Polícias Militares são para tratar de problemas urgentes ou emergências. Todavia alguns são para atendimento sobre perturbação da ordem por som alto, por exemplo, outros para abordagem a pessoas ou veículos suspeitos. Há ainda os casos das ocorrências de primeiros socorros, como os costumeiros atendimentos por policiais militares de engasgo de crianças recém-nascidas. Outros episódios receberam atenção nacional quanto a demanda e as possíveis soluções: o telefonema de uma criança chamou atenção das pessoas que tiveram acesso à informação. A criança pediu alimento para si, para irmãos e para sua mãe. O triste episódio tem várias questões de fundo além das questões socioeconômicas evidentes. O segundo fato é quanto ao cárcere privado mantido por 17 anos de uma família pelo pai/esposo que foi resgatada a partir de uma denúncia anônima.
O caso do cárcere demonstra o quanto a rede de proteção do Estado ainda necessita de protocolos e fluxos horizontais verificáveis pela rede para analisar a conclusão. Há a rede formal, mas com sistemas independentes de informação e protocolos incipientes e não revisados. A rede composta pelas polícias civis e militares, agências de assistências sociais, Ministério Público, entre outras como no caso do cárcere, necessita dos mesmos dados e há a demanda de ações integrais para a resolução total do caso. Quanto aos dados necessários, a falta de uma integração de determinados sistemas aumenta a revitimização a cada tentativa de acesso ao direito. Quanto ao processo de resolução, as ações não são sequenciais e a ausência de protocolos integrados pode possibilitar a ausência ou o sobrestamento de ações de alguma agência, pois houve a denúncia em 2020 e o processo ficou em um limbo entre o Ministério Público, as instituições Policiais e as agências de atendimento de assistência social.
O caso do pedido por comida, quanto à segurança pública, além da confiança da criança nas instituições policiais na resolução do problema, vislumbra a diversidade, a capilaridade e complexidade de problemas que são apresentados às agências policiais e, consequentemente, a necessidade de consolidação de redes e protocolos como processo de atendimento para diferentes demandas. Além dos atendimentos, há os dados que, por enquanto, são apenas dados. Não há tratamento de forma sistêmica para subsidiar intervenções estatais por outras agências do Estado. Aliás, há o aproveitamento do dado apenas no momento do atendimento policial, por exemplo. Nos casos das equipes policiais que se deslocaram e não houve a confirmação por ausência da vítima, por exemplo, o dado é perdido e os policiais atendem outra ocorrência. Não há o acionamento posterior da rede pela falta de integração e protocolo.
Da mesma forma, outras agências não mantêm um fluxo de informação sistêmico e horizontal com a Segurança Pública. Inclusive os casos notoriamente que envolvem a criminalidade como, por exemplo, o comércio de armas. A notícia de que o Exército Brasileiro tem o controle de venda de armas frágil, e que pessoas ligadas a organizações criminosas conseguiram autorização para comprar fuzis, demonstra o quanto as polícias estão à parte deste processo. Se o Exército Brasileiro não sabe para quem autoriza, será que as polícias têm acesso aos dados dos tipos de armas e munições que estão sendo compradas e em que Unidades Federativas? Há integração das diversas Agências de Inteligências Policiais com outras instituições não policiais alimentando dados cotidianamente. Os dados são analisados para subsidiar decisões das polícias, das gestões e para os formuladores de políticas de segurança pública?
Não há dúvidas que há grupos de trabalho com o intuito de integrar sistemas e ações. O banco de dados nacionais sobre veículos, por exemplo, e a identidade única e nacional fazem parte de um movimento de integração dos dados. O incipiente compartilhamento dos dados de armas utilizadas em crimes entre algumas polícias civis também é um avanço para o mapeamento dos crimes e para a compreensão sobre as dinâmicas da criminalidade. Todavia, não é uma política de integração, mas movimento de agentes públicos vocacionados e isolados que despendem atenção e criam soluções e ambientes políticos para a inserção da inovação.
Falta ainda a percepção sistêmica dos políticos e dos gestores em segurança pública para que os dados virem informação, independente da fonte estatal, e que o fluxo, com os devidos cuidados, deve ser horizontal e contínuo. Hoje não há falta de dados a serem trabalhados. Pelo contrário, há diversas agências estatais construindo dados de forma isolada e continuamente. O que falta é a cultura organizacional racional fundamentada em dados e utilizando métodos e protocolos sistêmicos, integrando as agências dentro da área, no caso a segurança pública, com outras áreas como o sistema de saúde, de assistência social, entre outras.
Desta forma, a análise dos dados dos constantes casos de pedido de socorro por engasgo de recém-nascidos pode subsidiar intervenções de ações no pré-natal, por exemplo. Já pedidos de socorro por causa da forme, os cárceres familiares, o fluxo de armas no território, entre vários outros fatos que aparentemente não há ligação, terão um fluxo de informação e de ações previsíveis e avaliáveis, envolvendo entes estatais e, por que não, da sociedade civil, consolidando os dados como insumos tanto para garantir acesso a direitos da pessoa atendida quanto para formular políticas públicas de intervenção em diferentes agências de diferentes segmentos de garantias de direito.