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Governador errático, policiais unidos!

Na greve em curso, todas as forças policiais estão unidas em torno da mesma reivindicação. Nunca se viu tamanha convergência e articulação de interesses entre os policiais mineiros. A proeza foi proporcionada pela inapetência de Zema

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Luis Flavio Sapori

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública

A greve em curso das polícias de Minas Gerais é resultado direto de equívocos cometidos por parte do governador Romeu Zema. Estão mobilizados em prol da mesma causa praças e oficiais militares, delegados e demais categorias da polícia civil, policiais penais e agentes socioeducativos.  Trata-se de movimento reivindicatório bastante coeso que há muito tempo não é visto em território mineiro.

Não se pode afirmar que os salários da segurança pública em Minas Gerais estão entre os mais baixos do país, situando-se no patamar de R$ 5 mil para os recém-concursados. As condições logísticas de trabalho também não constituem problema a ponto de provocarem tamanha mobilização. O que está fomentando o movimento, portanto, deve ser compreendido por outros fatores.

Merece reflexão, nesse sentido, eventual influência do bolsonarismo no que se passa em Minas Gerais. A prevalência dessa ideologia entre policiais militares, policiais civis e policiais penais mineiros é a mesma já identificada no restante do país. No entanto, é incorreto afirmar que o movimento paredista local esteja imbuído ou mesmo induzido pela perspectiva bolsonarista. É importante ter em mente, inclusive, que o governador Zema mantém claro alinhamento político com a presidência da república. E aqui reside um possível erro de cálculo político do chefe do executivo mineiro. Acreditou em algum momento que as lideranças das categorias policiais seriam mais coniventes e compreensíveis com o governador, dada a mesma sintonia com o chefe do executivo federal. Essa perspectiva não se efetivou, demonstrando que a insatisfação dos policiais está muito bem focada.

E essa insatisfação diz respeito a uma simples e populista promessa de dar recomposição salarial de 42% a todas as categorias da segurança pública que não foi cumprida. Em 2019, o governador Zema assumiu esse compromisso com as entidades representativas dos policiais, estabelecendo parcelamento a ser efetivado no prazo de três anos. Pagou a primeira parcela e no início deste ano veio a público e disse que não poderia honrar com as demais parcelas devido à situação fiscal do estado. A expectativa dos policias mineiros de terem seus vencimentos bastante turbinados desfez-se como castelo de areia. E, para complicar a situação, os elevados patamares da inflação no país estavam, e estão, fomentando insatisfação crescente diante da perda notória de poder aquisitivo dos salários.

O estrago está feito! A combinação de inflação elevada e expectativa de aumento salarial não realizada foi combustível suficiente para provocar ampla insatisfação em todas as categorias policiais de Minas Gerais. O movimento grevista tornou-se, portanto, inevitável. E, para agravar ainda mais a situação, o governo Zema não se dispôs a negociar com as entidades corporativas dos policiais. Outro notório erro político que foi acentuado na sexta-feira, 25 de fevereiro, quando anunciaram recomposição salarial de 10% para todo o funcionalismo estadual. O que a princípio poderia ser uma medida mitigadora do movimento grevista teve efeito reverso. A ira das lideranças policiais marcou a reação imediata ao anúncio do governo e pela simples razão de que não foram chamadas para negociar a respeito. Interpretam a medida como algo que devem receber “goela abaixo”, gostem ou não. Zema tentou corrigir um erro anterior com um erro posterior.

Os rumos do movimento grevista em Minas Gerais vão depender diretamente da mudança de postura do governo estadual. Se houver disposição de sentar à mesa e negociar com as lideranças das categorias policiais , as possibilidades de encontrar um acordo são reais. Por outro lado, se mantiver a postura do tipo “não converso com policiais grevistas”, acentua-se o risco de precarização dos serviços de segurança pública no estado.

Por fim, é importante salientar que a atual crise da segurança pública em Minas Gerais é muito diferente daquela verificada em 1997, quando houve  a morte do cabo Valério em manifestação de policiais militares em frente ao prédio do comando da PMMG. Naquele movimento paredista estava em questão o aumento diferenciado concedido aos oficiais militares por parte do então governador Eduardo Azeredo, em detrimento dos praças. Tratou-se de movimento em boa medida restrito à PMMG, com claros e decisivos reflexos em anos posteriores. Na greve em curso, por sua vez, todas as forças policiais estão coesas na perseguição da mesma reivindicação. Nunca se viram tamanha convergência e articulação de interesses entre os policiais mineiros. Proeza proporcionada pela inapetência do governador do estado!

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