Fronteiras amazônicas: uma nova abordagem do Fonte Segura
Nova coluna publicada quinzenalmente promoverá diálogo entre especialistas, agentes de segurança, jornalistas e outros profissionais de diferentes países sobre os conflitos socioambientais e a expansão das redes ilegais de dominação armada e governança na região da Amazônia Internacional
Rodrigo Chagas
Sociólogo, professor de Ciências Sociais na Universidade Federal de Roraima e pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Fronteiras Amazônicas é uma nova coluna do Fonte Segura, destinada a reunir perspectivas de diversos atores que vivenciam e refletem sobre as fronteiras da região norte do país. A “Amazônia” abrange um vasto território que se estende por nove países, sendo o Brasil responsável por 61,9% de sua área. Nesse contexto, é crucial fazer uma distinção entre a Amazônia Internacional (também conhecida como Pan-Amazônia) e a Amazônia Legal ou brasileira. Dadas sua extensão e localização estratégica, o território amazônico brasileiro desempenha um papel fundamental na compreensão dos dilemas sociais contemporâneos relacionados à região amazônica como um todo.
Esta proposta baseia-se em marcos geopolíticos, sem perder de vista a rica diversidade cultural e ecológica que transcende esses limites. Na Amazônia, encontramos uma multiplicidade de línguas, formas de vida e interações entre povos indígenas e tradicionais, migrantes, garimpeiros nômades, biomas, mitologias, crenças e Estados nacionais. Essa densidade de realidades sociais, compondo diversas Amazônias, desafia a concepção estatística de um “vazio demográfico”.
O interesse global na região remonta há séculos, impulsionado pela vasta gama de recursos naturais, desde água potável, petróleo e ouro até biotecnologia e conhecimento. É crucial reconhecer que esses interesses econômicos devem ser equilibrados com o consenso científico atual, que destaca a importância vital da região não apenas para a América do Sul, mas para o clima global como um todo. Destacam-se hoje três consensos internacionais:
- Um aumento significativo na destruição da biodiversidade amazônica;
- O reconhecimento da importância das Terras Indígenas na preservação ambiental;
- A compreensão da relação simbiótica entre os povos locais e a preservação ecológica.
Nesse contexto, os conflitos socioambientais emergem como um tema central, com assédio e violência contra comunidades tradicionais sendo os primeiros sinais de uma exploração desenfreada na Amazônia. A segurança pública desempenha um papel crucial nessas áreas, protegendo tanto os habitantes locais quanto seus territórios, e as fronteiras se tornam arenas onde muitas dessas dinâmicas de ilegalidade e violência se manifestam.
O relatório “Cartografias da Violência na Amazônia“, de 2023, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Mãe Crioula, aponta a presença de 22 grupos criminosos em pelo menos 178 municípios da Amazônia Legal, representando 23,05% do total de municípios. Apesar das quedas sucessivas nos índices de crimes contra a vida no Brasil, muitos municípios da Amazônia Legal ainda enfrentam níveis significativos de violência. Essa situação se torna mais complexa quando consideramos a extensa faixa de fronteira presente em sete estados da região amazônica.
Nosso interesse se estende aos diversos fenômenos transfronteiriços, mas, historicamente, dois grandes circuitos econômicos têm se destacado nas dinâmicas fronteiriças da Amazônia:
- O Circuito da Cocaína, dominado pelos países andinos Bolívia, Peru e Colômbia, que lideram a produção e buscam parceiros para distribuição;
- O Circuito dos Minérios, onde o Brasil (nos estados de Roraima, Pará e Amapá), Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa se sobrepõem ao fenômeno geológico do Escudo das Guianas, uma região rica em minérios como petróleo, ouro e cassiterita, entre outros.
Sob o Escudo das Guianas, desenvolveu-se, historicamente, uma rota de garimpagem, que, ao longo dos anos estabeleceu estruturas logísticas complexas e acordos com autoridades locais, tornando-se um polo de atração para grupos criminosos que buscam dominar territórios e exercer governança ilegal. Por outro lado, o narcotráfico também tem uma presença de longa data na região, mas a chegada das “facções do sudeste” introduz novas camadas de complexidade.
Nossa missão é promover o diálogo entre especialistas, agentes de segurança, jornalistas e outros profissionais de diferentes países e áreas para contribuir com conteúdo relevante e atualizado sobre os conflitos socioambientais nas fronteiras nacionais e a expansão das redes ilegais de dominação armada e governança na região da Amazônia Internacional.