Manoela Miklos
Pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No Dia Internacional da Mulher, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública se juntou, em Nova York, à delegação brasileira, composta pelo Ministério das Mulheres, pela Missão Permanente do Brasil na ONU, por outras representantes do governo federal e por um time aguerrido de representantes da sociedade civil para defender direitos de meninas e mulheres em todo o mundo.
Dia 10 teve início a CSW69 (69ª Conferência da ONU sobre a Situação das Mulheres). A Conferência é realizada 30 anos depois da histórica Conferência de Pequim, na qual feministas de todo o globo venceram o bloco liderado pelo Vaticano, vocalmente contrário à famigerada “ideologia de gênero”. Em Pequim, o termo “igualdade de gênero” entrou para o léxico da ONU e permitiu avanços e a realização de direitos de meninas e mulheres em todos os países. Nas semanas que seguem, lutaremos contra um poderoso bloco de países e organizações conservadoras, arrifes do backlash, desta vez liderados por EUA, Argentina, Hungria, Barbados, Suriname, dentre outros países. É digno de nota que a presidência da Conferência deste ano é da Arábia Saudista, também antagonista da igualdade de gênero.
Há muito em jogo. As forças contrárias à igualdade de gênero, à diversidade e à inclusão têm sido vocais em suas demandas cujo resultado pode ser um inédito périplo de horrores. Retrocessos que diluam as conquistas de Pequim são uma possibilidade real a ser combatida com todas as forças. A tentativa de suprimir o termo “gênero” do debate em nome de uma noção de família restrita à união entre um homem e uma mulher, capaz de gerar vidas “naturalmente”, é repulsiva.
Neste contexto hostil, a delegação brasileira defenderá o que é possível: nenhum direito a menos. E o Fórum Brasileiro de Segurança Pública estará na ONU para somar forças na luta por um resultado que não volte o relógio em 30 anos e acarrete consequências nefastas para meninas e mulheres.
Em sua primeira fala na plenária, junto a representantes de todo o mundo, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, reforçou que o governo brasileiro entende que afastar ameaças à democracia, extinguir a fome e a pobreza extrema, enfrentar a violência contra meninas e mulheres e valorizar a diversidade e a interseccionalidade são os pilares que sustentam as políticas públicas orientadas para as mulheres brasileiras. Sem democracia, com fome e com medo jamais haverá igualdade, disse a titular da pasta. A ministra lembrou também que é urgente que pensemos no nexo entre o debate sobre gênero e o debate sobre o clima. Apartadas, tais discussões não chegarão, de acordo com a representante brasileira, a resultados verdadeiramente transformadores. É a fala de um governo que está preocupado com as mulheres, mas também que sabe que sediará, em breve, a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e que precisa articular discursos que mostrem que suas prioridades não são apenas uma longa lista de itens, mas um plano de ação coerente cujas partes estão adequadamente imbricadas. A fala de um governo que precisa mostrar ao mundo e a seus eleitores que políticas públicas e política externa estão alinhadas. A fala, enfim, de um governo que sabe que precisa usar todos os espaços para dar respostas robustas ao radicalismo que ameaçou o Estado Democrático de Direito brasileiro no passado recente e ainda não foi derrotado definitivamente.