Evidências periciais no caso Daniel Alves: uma condenação que se anuncia quase inevitável!
As diversas evidências até agora reveladas apontam para a compreensão de que os eventos ocorridos na Boate Sutton, em Barcelona, ocorreram conforme os relatos da vítima, contradizendo depoimentos do jogador
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No último dia 20 de janeiro, o jogador Daniel Alves, de 39 anos, que esteve entre os jogadores que disputaram a última Copa do Mundo pelo Brasil, foi detido em Barcelona, na Espanha. A denúncia que desencadeou sua prisão foi feita por uma jovem de 23 anos que alegou ter sido estuprada pelo jogador em uma boate na noite de 30 de dezembro de 2022. As investigações tiveram início ainda na própria noite do fato, conduzidas pela polícia catalã conhecida como Mossos d’Esquadra, a mais antiga da Europa, responsável pela segurança pública e prestação do serviço de polícia na Comunidade Autônoma da Catalunha. Desde então a repercussão do caso foi mundial, considerando-se a fama do indiciado e fatos correlatos cuja semelhança acaba sendo trazida ao noticiário, em especial o caso do também jogador brasileiro Robinho, envolvido em um caso de estupro ocorrido numa boate na Itália em 2013.
As diversas evidências até agora reveladas apontam para a compreensão de que os eventos ocorridos na Boate Sutton, em Barcelona, ocorreram conforme os relatos da vítima, contradizendo depoimentos do jogador, que aos poucos foram se “adaptando” à realidade das provas técnicas produzidas. Vejamos quais as principais evidências relacionadas ao caso:
- O primeiro exame de corpo de delito realizado ainda na madrugada do dia 31 de dezembro pela jovem indicou a presença de sêmen em suas roupas íntimas e no vestido por ela utilizado, além de lesões no corpo. Uma das lesões, um hematoma no joelho, corroborava com a narrativa da vítima, que relatou ter caído no chão no banheiro da boate durante a consumação do fato;
- A perícia no local onde ocorreu o crime encontrou material genético da vítima na caixa de descarga do banheiro da boate. De acordo com a justiça catalã, não haveria motivo para a mulher ter encostado no objeto se a versão dos fatos contada pelo jogador fosse verdadeira. Também foram coletadas amostras de sêmen no piso do banheiro;
- As imagens da câmera do local também mostraram o trajeto dos envolvidos até o banheiro, e revelaram que o jogador e a vítima permaneceram cerca de 15 minutos no interior do banheiro, o que corrobora com a narrativa da mulher. Anteriormente, a defesa do jogador alegava que o atleta havia ficado apenas cerca de dois minutos no banheiro;
- No total, a polícia aprendeu mais de sete horas de material oriundo das câmeras de segurança da boate. Nesse período, há cerca de dois minutos que são considerados cruciais na análise da dinâmica dos fatos: o recurso de defesa de Daniel Alves afirma que o jogador entrou no banheiro da área VIP da discoteca 1min36s antes da denunciante, fechando a porta em seguida. É nesse momento que a imagem de um tênis branco entra no caso. As imagens mostram parte de um tênis branco ao lado da porta. A acusação sustenta que o calçado pertence ao jogador, que estaria segurando a porta e chamando o denunciante para acompanhá-lo, enquanto a defesa sustenta que se trata de um reflexo do tênis de outro cliente, provocado por um espelho.
- As amostras de sêmen foram analisadas pelo Instituto Nacional de Toxicologia e Ciências Forenses da Espanha e confrontadas com amostras cedidas pelo jogador. Todos os testes foram positivos, demonstrando que o material genético de Daniel Alves estava presente nas amostras. Em especial a amostra relativa ao conteúdo intravaginal da vítima comprovou uma penetração, em clara divergência com relatos iniciais do atleta que alegava ter ocorrido “apenas” sexo oral. A defesa agora parece direcionar a sua estratégia para alegações de “sexo consentido”;
- Outras perícias certamente farão parte do processo, entre elas exames de dispositivos (celulares) dos envolvidos, incluindo-se testemunhas.
Uma das questões elogiáveis em tudo que foi divulgado neste caso foi a atuação dos órgãos policiais no que se refere a um caso de violência sexual. Um programa denominado “No Callem“, o equivalente a “Não se Calem”, desenvolvido pela polícia catalã e que alcança até mesmo o treinamento de funcionários de casas noturnas, além de prever uma série de ações de atendimento a vítimas de agressão sexual.
No Brasil há também boas iniciativas que visam acolher as vítimas, reduzindo a chamada revitimização. Importa lembrar que as vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, embora o exame de corpo de delito (realizado nos IMLs) só possa ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. Esse é o exame que pode identificar provas que auxiliam na acusação durante um processo judicial, e pode ser feito a qualquer momento depois do crime, mas o ideal é que seja realizado o mais cedo possível, já que provas podem desaparecer e prejudicar a possibilidade de responsabilização do autor.
No caso Daniel Alves, a perícia certamente terá um papel decisivo no desfecho do processo. A se lamentar o fato de mais uma celebridade nacional expor o que há de pior quando nos deparamos com casos desse tipo: o desrespeito ao ser humano e à sua liberdade sexual.