Fronteiras Amazônicas 29/01/2025

Conhecendo a rede logística-criminal do narcogarimpo e do garimpo ilegal na Amazônia

A atividade de garimpagem ilegal estabelece uma complexa rede de aeroportos e portos ilegais, envolvendo acordos com as elites econômicas e políticas locais, além de esquemas de corrupção com a participação de agentes do estado. Todos esses elementos são de interesse do narcotráfico

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Francisco Xavier Medeiros de Castro

Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Mestre em Ciências Policiais da Segurança e da Ordem Pública (Sistema Militar - CAES/SP). Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (PMBA). Ex-Comandante Geral da Polícia Militar de Roraima

O garimpo ilegal e o narcogarimpo correspondem hoje a grande parte da receita levantada pelas organizações criminosas nos estados amazônicos. Sem a intenção de minimizar as terríveis consequências ambientais provocadas por essas atividades, sobretudo nas terras indígenas Yanomami (TIY), o objetivo deste artigo será evidenciar as características da rede logística-criminal que atende a essas duas atividades criminais, tornando-as tão indissociáveis.

Na conceituação fornecida por Cartografias da Violência na Amazônia (2023, p. 119), o garimpo ilegal é definido como qualquer tipo de mineração que ocorra em territórios de proteção integral ou em territórios permitidos sem a devida autorização ou respeito às exigências legais. Essa forma de exploração não permaneceria viável sem os financiadores responsáveis pela sua manutenção: os fortes empresários e pessoas públicas detentoras de grande poder e influência política. O subsídio dessa atividade criminosa se mantém graças ao alto retorno financeiro que faz compensar todos os riscos relacionados a prisões e outras medidas judiciais, afinal “a garimpagem ilegal, que se tornou algo comum na região […], tem acordos com as elites econômicas e políticas, bem como esquemas de corrupção envolvendo agentes do Estado” (CHAGAS, 2023).

É possível traçar um paralelo entre os tipos de investidores, apresentando pontos de coincidência sobre o interesse comum na exploração ilegal do minério:

Políticos e empresários ligados ao comércio e ao agronegócio veem no garimpo ilegal um investimento de alto risco, mas muito atrativo devido aos lucros muito superiores às oportunidades do mercado legal e a uma rede de relações sociais e políticas que minimiza os riscos da ilegalidade dessa prática. É possível que para os “empresários” e “empreendedores” do narcotráfico a atividade seja ainda mais atrativa (CHAGAS, 2023).

Por sua vez, o narcogarimpo é a tipificação de um conjunto de estratégias operacionais que combinam os agentes do narcotráfico e das frentes de garimpagem, criando novas dinâmicas e estratégias de atuação (CHAGAS, 2024, p. 92). Isso se reforça pela constatação de que o fluxo logístico do garimpo ilegal é inegavelmente útil para o narcotráfico pois, em razão da imensa dificuldade de acesso às frentes de garimpagem, o transporte adequado dos equipamentos e dos próprios garimpeiros exige a utilização de variados meios de transporte de alto custo e complexidade (embarcações, veículos tracionados, aeronaves de asa fixa/rotativa, etc). Contudo, além desse compartilhamento estrutural, há a cooperação criminal realizada por diversos colaboradores (pilotos e seguranças privados, fornecedores de armas e munições, contadores, advogados, etc) que se colocam à disposição dos financiadores do garimpo ilegal e de narcotraficantes.

A atratividade da região amazônica para as atividades de narcotráfico e de garimpo ilegal reside na vantagem de se tirar grande proveito da lavagem do dinheiro proveniente do tráfico de drogas e de outras atividades ilícitas, assim como no uso comum de uma grande e complexa cadeia logística por ambas as atividades:

As regiões de garimpo são privilegiadas para a atuação de organizações criminosas: além da possibilidade de “lavar” o dinheiro do tráfico […] a rede de garimpos da Amazônia internacional passou a ser um atrativo logístico para o narcotráfico. O compartilhamento de pistas de pouso irregulares/ilegais, estruturas de abastecimento e fornecimento de serviços se tornou um elo entre as duas atividades (BUENO, COUTO, LIMA, 2024, p. 7)

Interesses oriundos de atores e grupos distintos convergem para o objetivo comum de se aferir o lucro, seja através do narcogarimpo ou do garimpo ilegal. O resultado será um empenho coletivo que reúne elites políticas e econômicas que não medem esforços para centrar seus investimentos nessas atividades e exercer a influência necessária para que o estado continue incapaz de coibir as ações da rede criminosa.

A atividade de garimpagem ilegal estabelece uma complexa rede de aeroportos e portos ilegais, envolvendo acordos com as elites econômicas e políticas locais, além de esquemas de corrupção com a participação de agentes do estado. Todos esses elementos são de interesse do narcotráfico, assim como o uso do ouro como meio para a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, bem como a possibilidade de investir recursos ilícitos do narcotráfico nas atividades de garimpo (BUENO, COUTO, LIMA, 2024, p. 84)

Portanto, e com base nos autores pesquisados e em reportagens (clipping) que veiculam o resultado de operações policiais, os componentes dessa rede logística-criminal que alimenta a simbiose do narcogarimpo e do garimpo ilegal pertencerão sempre a um dos grupos apresentados pelo quadro 1.

Quadro 1 – Grupos que compõem a rede logística-criminal do narcogarimpo e do garimpo ilegal.

Grupos Composição
Financiadores ●       Empresários/políticos com grande influência política;

●       Narcotraficantes.

 

Apoio logístico

●       Proprietários de imóveis rurais disponibilizados para armazenamento de minérios, entorpecentes e suprimentos. Essas propriedades também são usadas para decolagem/pouso de aeronaves e como portos clandestinos para embarcações que fazem o transporte hidroviário para as Terras Indígena Yanomami (TIY);

●       Pilotos de aeronaves, responsáveis pelo transporte de entorpecentes, de minérios e de mantimentos das bases logísticas (propriedades rurais) até as áreas de garimpo ilegal localizadas nas TIY. Conforme Chagas (2024, p. 93) é relativamente comum o recrutamento de pessoas envolvidas nas frentes de garimpagem da Amazônia pelo narcotráfico, especialmente pilotos;

●       Empresários donos de redes de supermercados, de postos de combustível e de lojas de material de construção e itens para maquinários de garimpo com estabelecimentos comerciais nas regiões de acesso às TIY;

●       Fornecedores de armas e munições, geralmente representados por policiais ou CACs em desvio de conduta ou;

●       Seguranças privados, geralmente constituídos por ex-militares ou por policiais aliciados pelos financiadores do garimpo ilegal e/ou por narcotraficantes.

 

Jurídico-Contábil

●       Advogados, responsáveis pela defesa dos interesses dos financiadores do garimpo ilegal e/ou dos narcotraficantes;

●       Contadores, responsáveis pela abertura de empresas usadas na lavagem do dinheiro do narcotráfico e do narcogarimpo.

Operadores do garimpo ●       Proprietários dos maquinários e operadores das diversas funções do garimpo (gerentes, jateiros, raizeiros, maraqueiros, etc) que prestam contas aos financiadores do garimpo ilegal e/ou aos narcotraficantes;
 

Fachada

●       Empresários de “fachada” (conhecidos popularmente como “testas de ferro”), responsáveis pela administração dos empreendimentos comerciais oriundos da lavagem do dinheiro obtido pela mineração ilegal, como revendedoras de veículos, farmácias, supermercados.

Fonte: Autor (2024)

De forma pontual, organizações policiais da esfera federal têm realizado operações eficientes contra a rede criminal ligada ao narcogarimpo e ao garimpo ilegal, a exemplo:

1) das operações para o cumprimento de prisões e de buscas e apreensões que tiveram como alvos empresários do ramo da construção civil em Roraima (BRASIL, 2023);

2) da prisão de fazendeiros que disponibilizavam suas propriedades rurais, nos municípios de Cantá e Mucajaí (RR) para uso das aeronaves utilizada pelos narcotraficantes (G1 RORAIMA, 2023);

3) da operação da Polícia Federal e do GAECO para o cumprimento de mandado de busca e apreensão, na residência do Comandante-Geral da Polícia Militar de Roraima, suspeito de chefiar um esquema de venda ilegal de armas e munições para o garimpo ilegal (ISTO É DINHEIRO, 2024);

4) da investigação que culminou com a prisão de dois oficiais da Polícia Militar do Pará e do afastamento de mais 36 policiais militares envolvidos com o transporte de minérios provenientes do garimpo ilegal (BRITO, 2024).

O direcionamento das ações estatais para a disrupção dessa rede criminosa, contudo, só se mostrará devidamente eficaz quando as instituições responsáveis detiverem condições necessárias e adequadas para protagonizar o correto enfrentamento aos operadores, colaboradores e financiadores do narcogarimpo e do garimpo ilegal em Terras Indígenas Yanomami (TIY) e outras áreas de proteção.

A capacidade inovativa e de governança das instituições também será uma condição primordial nesse contexto, para que o conjunto de órgãos e atores estatais envolvidos tenham a capacidade de se adaptar em tempo hábil às constantes mudanças da dinâmica que caracteriza a rede logística criminal do garimpo ilegal e do narcogarimpo.

REFERÊNCIAS
BUENO, Samira; COUTO, Aiala Colares; LIMA, Renato Sérgio de. A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. PF deflagra terceira operação no mês contra suspeitos de financiar garimpo ilegal em Roraima. 28 de fevereiro de 2023. Disponível em:< https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/pf-deflagra-terceira-operacao-no-mes-contra-suspeitos-de-financiar-garimpo-ilegal-em-roraima>. Acesso em 03 agosto 2023.
BRITO, Ricardo. Justiça manda prender dois oficiais e afasta 36 PMs por suspeita de propina e segurança de garimpo ilegal de ouro. UOL. 29 de novembro de 2024. Disponível em:<https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2024/11/29/justica-manda-prender-dois-oficiais-e-afastar-36-pms-por-suspeita-de-propina-e-seguranca-de-garimpo-ilegal-de-ouro.htm>. Acesso em 30 nov 2024.
CARTOGRAFIAS DA VIOLÊNCIA NA AMAZÔNIA. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, v. 2, 2023. ISBN: 978-65-89596-33-2. versão online. Anual. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/cartografias-da-violencia-na-amazonia-2a-edicao/.Acesso em: 10 jun 2024.
CHAGAS, Rodrigo P. Do garimpo ao narcogarimpo: uma complexa teia de marginalização que se converte em mais criminalidade. Entrevista concedida a João Vitor Santos. Instituto Humanitas Unisinos. 31 de maio de 2023. Disponível em:<https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/629160-do-garimpo-ao-narcogarimpo-uma-complexa-teia-de-marginalizacao-que-se-converte-em-mais-criminalidade-entrevista-especial-com-rodrigo-chagas>. Acesso em 02 junho de 2023.
CHAGAS, Rodrigo P. O “narcogarimpo” na terra indígena yanomami.  Boletim de Análise Político-Institucional. IPEA. n. 36. Jan. 2024. Disponível em:< https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/12778/9/BAPI_36_Artigo_7_narcogarimpo.pdf>. Acesso em 30 nov 2024.
G1 RORAIMA. PF deflagra operação em fazendas usadas em esquema para tráfico de drogas em Roraima. 28 de julho de 2023. Disponível em:< https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/07/28/pf-deflagra-operacao-em-fazendas-usadas-em-esquema-para-trafico-de-drogas-em-roraima.ghtml>. Acesso em 29 julho 2023.
ISTO É DINHEIRO. PF faz operação contra comércio ilegal de armas e mira deputado e comandante da PM de Roraima. 23 de outubro de 2024. Disponível em:< apuram a ligação entre o esquema de venda ilegal de armas e o garimpo ilegal no Estado>. Acesso em 30 out 2024.

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