Múltiplas Vozes 28/02/2024

Câmeras corporais policiais: evidências e discussões políticas atuais

O evento 'Câmeras Corporais e Persecução Penal' trouxe experiências de representantes de agentes do Sistema de Segurança Pública e de Justiça Criminal sobre os resultados, impactos e potencialidades do programa de utilização de câmeras corporais portáteis pela PM de São Paulo

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Alan Fernandes

Professor da Fundação Getúlio Vargas. Associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo

Na semana passada, dia 21, na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e a própria FGV promoveram o debate chamado “Câmeras Corporais e Persecução Penal”. Foram trazidas as experiências de representantes de agentes do Sistema de Segurança Pública e de Justiça Criminal sobre os resultados, impactos e potencialidades do programa de utilização de câmeras corporais portáteis pelos integrantes da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Um conjunto de questões envolvendo as câmeras corporais surgiu nas diferentes participações dos palestrantes e da audiência presente, para os quais uma descrição à altura exigiria um espaço muito maior do que aquele que utilizaremos aqui. O acesso à integra do evento estará disponível em breve no canal do YouTube do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Há, contudo, três pontos que reúnem as preocupações trazidas quanto às capacidades das câmeras corporais: as questões ligadas à maior governança sobre as ações praticadas pelos policiais, a sua contribuição para o Sistema de Justiça Criminal em sentido geral e as conclusões até então encontradas, bem como o futuro dessa iniciativa em São Paulo.

Quanto ao primeiro conjunto de questões, que versaram a respeito de transparência sobre o trabalho policial, os/as representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública apontaram para a grande capacidade de as câmeras corporais exibirem como se dão as ocorrências nas quais os policiais militares ocupam a condição de averiguados nas apurações de arbítrio na realização de prisões, assim como nas mortes e lesões corporais decorrentes de ação policial. Nesse mesmo sentido, ganham importância as audiências de custódia, realizadas com o fim de conferir a legalidade da prisão, nas ocasiões em que a pessoa suscita violência policial. Tal relevância foi igualmente trazida pelo responsável pela implementação e concepção do programa de câmeras corporais junto à Polícia Militar até o ano de 2022.

Quanto ao segundo ponto de debates, está a importância para a tomada de decisões nos âmbitos dos processos criminais. A formação do conjunto probatório para a atribuição de culpa tem nas imagens obtidas a possibilidade de ser analisada em conjunto com as provas testemunhais. Isso foi tratado como especialmente importante quando as ocorrências dispõem sobretudo da versão dos policiais a respeito dos fatos como elemento principal de prova. Assim, seus testemunhos ganham maior valor processual quando corroborados pelas imagens geradas por eles próprios, favorecendo a atribuição de responsabilidade penal ou, contrariamente, favorecendo a defesa das pessoas processadas em caso de discrepância das versões dos agentes públicos. Em ambos os casos, tanto os responsáveis pela ação penal como a representante da Defensoria Pública mostraram-se favoráveis à utilização das câmeras corporais.

Em relação ao balanço da experiência das câmeras corporais nos EUA, o representante da Police Executive Research Forum trouxe alguns resultados de uma conferência realizada em dezembro de 2023 que buscou consolidar os principais achados dessa iniciativa nos últimos dez anos naquele país. Dentre algumas conclusões apresentadas, ressaltamos a importância, segundo ele, de que a implementação requer um esforço institucional constante, em especial na supervisão das imagens geradas e na utilização delas para fortalecimento da cultura e performance organizacional. Os aspectos positivos das câmeras foram reafirmados por Joana Monteiro, que produziu análises sobre os seus efeitos na Polícia Militar paulista, em especial na redução das mortes decorrentes das ações da corporação, tendo por base a comparação entre unidades policiais que passaram a adotar as câmeras com as que não estavam abrangidas pelo programa. O representante da Polícia Militar, por sua vez, abordou os impactos negativos do uso das câmeras sobre a atuação policial, uma vez que haveria uma correlação entre a implementação delas e o aumento das taxas criminais. Aliado a isso, trouxe que as câmeras pouco contribuem para um enforcement mais amplo, uma vez que, na atual formatação, não geram informações que possibilitem a prisão de criminosos, cujas ferramentas seriam mais favorecidas em um projeto tecnológico em curso pelo Governo Estadual denominado “Muralha Paulista”.

Esta brevíssima descrição não contemplou a amplitude das participações dos palestrantes e, muito menos, dos presentes da audiência. Esperamos, todavia, que tenha sido capaz de motivar os leitores a assistir o conteúdo e que possamos todos participar da condução política dos processos em curso em relação ao tema, cujas consequências são fundamentais para a oferta de segurança pública em São Paulo e no Brasil.

 

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